109 AUTODOMÍNIOS, MODERAÇÃO E SEUS MOTIVOS DERRADEIROS
Vejo apenas seis métodos profundamente diferentes para combater a violência de um instinto. Em primeiro lugar, pode-se evitar as ocasiões de satisfazer um instinto, enfraquecer e eliminar esse instinto abstendo-se de satisfazê-lo durante períodos mais ou menos longos. Em segundo lugar, pode-se estabelecer uma lei de uma ordem severa e regular na satisfação dos próprios apetites: desse modo são submetidos a uma regra, seu fluxo e refluxo são encerrados dentro de limites estáveis, para ganhar os intervalos em que não incomodam mais; - partindo disso, se poderá talvez passar ao primeiro método. Em terceiro lugar, pode-se entregar-se deliberadamente à satisfação de um instinto selvagem e desenfreado até sentir desgosto para obter, por meio desse desgosto, um poder sobre o instinto: com a condição de não fazer como aquele cavaleiro que, querendo esfalfar seu cavalo, acabou por quebrar o pescoço - o que é, infelizmente, a regra em semelhantes tentativas. Em quarto lugar, existe uma prática intelectual que consiste em associar à satisfação um pensamento doloroso e com tanta intensidade que com um pouco de exercício a idéia da satisfação se torna também cada vez mais dolorosa. (Por exemplo, quando o cristão se habitua a pensar durante o prazer sexual na presença e na zombaria do diabo ou no inferno para um crime cometido por vingança ou ainda no desprezo que incorreria aos olhos dos olhos que mais venera se cometesse um roubo; de igual modo alguém pode reprimir um violento desejo de suicido que lhe veio cem vezes quando pensa na desolação de seus parentes e de seus amigos e às recriminações que farão, e é assim que ele chega a se manter à margem da vida: - pois, a partir de então essas representações se sucedem em seu espírito como a causa e o efeito). Deve-se ainda mencionar aqui o orgulho do homem que se revolta, como fizeram, por exemplo, Byron e Napoleão que consideraram como afronta a preponderância de uma emoção sobre a conduta e a regra geral da razão: daí provém o habito e o gosto de tiranizar o instinto e de alguma forma esmagá-lo. (“Não quero ser escravo de um apetite qualquer.” escrevia Byron em seu diário). Em quinto lugar: tenta-se um deslocamento das próprias forças acumuladas, dedicando-se a um trabalho qualquer difícil e pesado, ou submetendo-se deliberadamente a atrativos e a prazeres novos, desviando assim para outras direções os pensamentos e as forças físicas. Ocorre o mesmo quando se favorece temporariamente outro instinto, dando-lhe freqüentes ocasiões de se satisfazer, para torná-lo dispensador dessa força que dominaria, em outro caso, o instinto que importuna, por sua violência, e que se pretende refrear. Outro também saberia talvez conter a paixão que gostaria de agir como senhor, concedendo a todos os outros instintos que conhece um encorajamento e uma permissão momentânea para que devorem o alimento que o tirano gostaria de reservar para si. E finalmente, em sexto lugar, aquele que suporta e acha razoável enfraquecer e oprimir toda a organização física e psíquica chega naturalmente da mesma forma a enfraquecer um instinto particular demasiado violento: como faz, por exemplo, aquele que mantém esfomeada sua sensualidade e que destrói, na verdade, ao mesmo tempo seu vigor e muitas vezes também sua razão, à maneira do asceta. - Portanto: evitar as ocasiões, impor regras ao instinto, provocar a saciedade e o desgosto do instinto, relacioná-lo com uma idéia martirizante (como a da vergonha, das conseqüências nefastas ou do orgulho ofendido), em seguida o deslocamento das forças e finalmente o enfraquecimento e o esgotamento geral - esses são os seis métodos. Mas a vontade de combater a violência de um instinto não está em nosso poder mais que o método que se adota por acaso e o sucesso que se pode alcançar ao aplicá-lo. Em todo esse processo nosso intelecto não é, ao contrário, senão o instrumento cego de outro instinto que é rival daquele cuja violência nos atormenta, quer seja a necessidade de repouso ou o medo da vergonha e de outras conseqüências lamentáveis ou ainda o amor. Enquanto julgamos lamentar a violência de um instinto, portanto, no fundo é um instinto que se queixa de outro instinto; o que significa que a percepção do sofrimento que tal violência nos causa pressupõe a existência de outro instinto igualmente violento, ou mais violento ainda, e que uma luta se prepara, na qual nosso intelecto deve tomar partido.
Vejo apenas seis métodos profundamente diferentes para combater a violência de um instinto. Em primeiro lugar, pode-se evitar as ocasiões de satisfazer um instinto, enfraquecer e eliminar esse instinto abstendo-se de satisfazê-lo durante períodos mais ou menos longos. Em segundo lugar, pode-se estabelecer uma lei de uma ordem severa e regular na satisfação dos próprios apetites: desse modo são submetidos a uma regra, seu fluxo e refluxo são encerrados dentro de limites estáveis, para ganhar os intervalos em que não incomodam mais; - partindo disso, se poderá talvez passar ao primeiro método. Em terceiro lugar, pode-se entregar-se deliberadamente à satisfação de um instinto selvagem e desenfreado até sentir desgosto para obter, por meio desse desgosto, um poder sobre o instinto: com a condição de não fazer como aquele cavaleiro que, querendo esfalfar seu cavalo, acabou por quebrar o pescoço - o que é, infelizmente, a regra em semelhantes tentativas. Em quarto lugar, existe uma prática intelectual que consiste em associar à satisfação um pensamento doloroso e com tanta intensidade que com um pouco de exercício a idéia da satisfação se torna também cada vez mais dolorosa. (Por exemplo, quando o cristão se habitua a pensar durante o prazer sexual na presença e na zombaria do diabo ou no inferno para um crime cometido por vingança ou ainda no desprezo que incorreria aos olhos dos olhos que mais venera se cometesse um roubo; de igual modo alguém pode reprimir um violento desejo de suicido que lhe veio cem vezes quando pensa na desolação de seus parentes e de seus amigos e às recriminações que farão, e é assim que ele chega a se manter à margem da vida: - pois, a partir de então essas representações se sucedem em seu espírito como a causa e o efeito). Deve-se ainda mencionar aqui o orgulho do homem que se revolta, como fizeram, por exemplo, Byron e Napoleão que consideraram como afronta a preponderância de uma emoção sobre a conduta e a regra geral da razão: daí provém o habito e o gosto de tiranizar o instinto e de alguma forma esmagá-lo. (“Não quero ser escravo de um apetite qualquer.” escrevia Byron em seu diário). Em quinto lugar: tenta-se um deslocamento das próprias forças acumuladas, dedicando-se a um trabalho qualquer difícil e pesado, ou submetendo-se deliberadamente a atrativos e a prazeres novos, desviando assim para outras direções os pensamentos e as forças físicas. Ocorre o mesmo quando se favorece temporariamente outro instinto, dando-lhe freqüentes ocasiões de se satisfazer, para torná-lo dispensador dessa força que dominaria, em outro caso, o instinto que importuna, por sua violência, e que se pretende refrear. Outro também saberia talvez conter a paixão que gostaria de agir como senhor, concedendo a todos os outros instintos que conhece um encorajamento e uma permissão momentânea para que devorem o alimento que o tirano gostaria de reservar para si. E finalmente, em sexto lugar, aquele que suporta e acha razoável enfraquecer e oprimir toda a organização física e psíquica chega naturalmente da mesma forma a enfraquecer um instinto particular demasiado violento: como faz, por exemplo, aquele que mantém esfomeada sua sensualidade e que destrói, na verdade, ao mesmo tempo seu vigor e muitas vezes também sua razão, à maneira do asceta. - Portanto: evitar as ocasiões, impor regras ao instinto, provocar a saciedade e o desgosto do instinto, relacioná-lo com uma idéia martirizante (como a da vergonha, das conseqüências nefastas ou do orgulho ofendido), em seguida o deslocamento das forças e finalmente o enfraquecimento e o esgotamento geral - esses são os seis métodos. Mas a vontade de combater a violência de um instinto não está em nosso poder mais que o método que se adota por acaso e o sucesso que se pode alcançar ao aplicá-lo. Em todo esse processo nosso intelecto não é, ao contrário, senão o instrumento cego de outro instinto que é rival daquele cuja violência nos atormenta, quer seja a necessidade de repouso ou o medo da vergonha e de outras conseqüências lamentáveis ou ainda o amor. Enquanto julgamos lamentar a violência de um instinto, portanto, no fundo é um instinto que se queixa de outro instinto; o que significa que a percepção do sofrimento que tal violência nos causa pressupõe a existência de outro instinto igualmente violento, ou mais violento ainda, e que uma luta se prepara, na qual nosso intelecto deve tomar partido.
Texto retirado do Livro:
AURORA
de
Friedrich Nietzsche
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Somente um oráculo pugnaz como Nietzsche, vivo e acordado; tão lúcido quanto mais se possa ser, mas, principalmente, não comprometido com qualquer empreendimento que seja além daquele que nos mantenha firmes em uma retidão baseada no juízo perfeito e com a visão reta e única de que aprendamos de uma vez por todas que podemos nos transformar em seres pensantes e através dessa mente renovada moldar nossa inteligência para não mais nos amarrarmos a qualquer convenção ou moral pregada que seja além daquela que mantenha-nos livres... enfim, apenas ele também é capaz de esquadrinhar quase tecnicamente este que para a maioria de nós é parte integrante de um dos dilemas mais pungentes que existe, sabedor de que: derrotá-lo é condição sine qua non para termos um mínimo de sossego nesta curta existência antes da próxima experiência.
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