sábado, 27 de setembro de 2014
Vãs representações
As representações assumidas pelo
homem – católica romana, templários, confrarias ou sociedades secretas socialmente
respeitadas, monarquias e poderes imperiais, por exemplo – são algo emprestado
e demonstram a nós o que pode existir realmente caso extirpe o homem as paixões
terrenas; resta a alguns poucos que entendem, imaginar como será a realidade no
Plano Original.
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cqe
sábado, 20 de setembro de 2014
nihil
Meu pensar é algo camuflado; precisa
ser. Ele flerta com o abismo. Entendê-lo é saltar e manter-se flanando entre
correntes voluptuosas onde não há estática, nada é estável; dizer apenas que o
faz é mergulhar no precipício, ainda que se agarrando à ilusões de valia
negociáveis. A essa, melhor continuar perambulando pelo vale, onde a
passividade mórbida impera.
Estática
parte da mecânica que estuda o
equilíbrio dos corpos
sob a ação de forças.
062.h cqe
sábado, 13 de setembro de 2014
Id-ividual
. . .
Apesar de saborear essa hora, fazia
questão de ordem. Antes de atravessar uma rua movimentada, hesitava um pouco.
Gostava de caminhar num ritmo uniforme. A fim de não ter de se apressar, aguardava
o instante propício. Foi quando alguém perguntou em voz alta a outra pessoa:
“Pode me dizer onde fica a Mutstrasse?”. O interrogado não respondeu. Kien se
admirou. Parecia que em plena rua existiam, além dele mesmo, outros seres
taciturnos. Sem levantar o olhar, aguçava os ouvidos. Como reagiria o
interrogador em face dessa mudez? “Perdão, o senhor não poderia me dizer, por
gentileza, onde fica a Mutstrasse?” Apesar de ele intensificar a cortesia, não
teve mais sorte que antes. O outro não disse nada. “Acho que o senhor não me
ouviu. Rogo-lhe a fineza de me dar uma informação. Talvez tenha a bondade de me
explica onde posso encontrar a Mutstrasse.” Em Kien despertou a avidez de
saber. Por índole, não era curioso. Propunha-se, porém, a contemplar esse
indivíduo calado, no caso de ele persistir na mesma mudez. Sem dúvida, o homem
estava absorto em pensamentos e queria evitar qualquer interrupção. E ele não
disse nada, mais uma vez. Kien aplaudiu-o. Entre milhares de pessoas, um
caráter capaz de resistir às casualidades! “Então, é surdo?”, gritou o
primeiro. Agora o outro vai responder, pensou Kien, começando a perder o
interesse por seu favorito. Quem controla a língua, ao ser insultado? Virou-se
em direção à rua. Chegara o momento de atravessá-la. Mas hesitou, admirado com
o ininterrupto silêncio. O outro continuava a não dizer nada. O que se devia
esperar era uma explosão cada vez mais forte de ira. Kien previa uma briga. Se
o interrogado se comportasse vulgarmente, ele, Kien, teria razão em achar que
era a única pessoa de caráter nas redondezas. Ponderou se já podia olhar a cena
que decorria à sua direita. Eis que o primeiro esbravejou: “O senhor não tem
educação! Perguntei-lhe cortesmente uma coisa! Quem pensa que é? Seu
grosseirão! Será que é mudo? O outro permaneceu calado. “O senhor vai me pedir
desculpas! Pouco me importa onde fica a Mutstrasse! Qualquer um pode informar.
Mas o senhor vai me pedir desculpas! Ouviu?”. O outro não deu ouvidos, e isso
aumentou o respeito de Kien. “Vou entregá-lo à polícia! Sabe quem sou? Seu
esqueleto! E um homem desses pretende ter cultura! Onde arranjou essas roupas?
Num prego? É o que parece! E o que tem aí debaixo do braço? Vou lhe mostrar uma
coisa. Quem pensa que é?”
Nesse momento Kien recebeu um forte
empurrão. Alguém lhe agarrava a pasta, procurando arrancá-la. Com um puxão
muito superior as suas forças, Kien liberou os livros das garras alheias.
Energicamente voltou-se à direita. Seu olhar se destinava à pasta, mas também
se fixou num baixinho gorducho, que furiosamente ralhava com ele. “Seu
malcriado! Seu malcriado! Seu malcriado!” O outro, o taciturno, o caráter que
se sabia conter mesmo na cólera, era o próprio Kien.
. . .
Trecho do livro Auto de Fé de Elias
Canetti, Cozacnaifi
*
Ápice literário de Elias Canetti
(1905-1994), um dos principais escritores de língua alemã do século XX.
Centrada nos temas do isolamento, fanatismo, destruição e autodestruição, a
obra foi banida pelo nazismo e tratada por Thomas Mann como um livro à frente
de seu tempo. Peter Kien, o protagonista, é filólogo e sinólogo, grande
conhecedor das línguas antigas, embora incapaz de penetrar os problemas
contemporâneos. Ele é proprietário da mais importante livraria privada de toda
a sua grande cidade e leva consigo uma pequena porção dela aonde quer que vá.
Temendo contatos físico e social, Kien desposa, entretanto, sua velha
governanta, ignorante e mesquinha, que acaba por tirar-lhe tudo. A edição
inclui o ensaio “O primeiro livro”, em que Canetti fala sobre Auto de fé.
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sábado, 6 de setembro de 2014
Síntese humana
O símbolo maior da fraqueza do homem reside no fato de fingir-se de morto quando
algo não deve sofrer interferência pela ação do incômodo a ser acordado,
portanto, assisto tantas injúrias contra Deus a respeito de tropeços, decepções
e perdas catastróficas quando a verdadeira razão, caso fossemos premiar ainda
uma vez mais nossa ignorância seria o fato de nossa cegueira quanto à
transcendência, o ato de poder enxergar – em muitas situações por conveniência
- o que nos reserva o terrível depois, quando nossas atrocidades não poderão
mais ser reparadas, este sim, será para muitos o verdadeiro castigo que tomarão
às costas, impingido incondicionalmente pela mecânica da Lei Maior, e então sim,
devido com justiça.
*
“Deus
não é nada enquanto o homem carece de um desbravamento até a Divindade. Se você
não se entregar ao desapego, Deus perderá sua Divindade e o homem perderá a si
mesmo.”
Mestre Eckhart no livro de Reiner Schürmann
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Amizade é outra coisa
No vizinho, ao observar sua esposa
rolando o mouse na sua apreciada página na rede social do momento, chama a
atenção as imagens com os velados pedidos de socorro; dessas que as pessoas
pedem um abraço, um carinho, mendigam companhia, sinceridade e afins.
Permaneço mentalmente atento a uma
em especial que cobra sinceridade do mundo; compadecido, calo-me, tudo isso é
tão triste. Imagino então uma pessoa querida e concluo que não precisamos falar
a verdade para um amigo; o amigo sempre sabe quando precisa ouvir a verdade sem
ouvi-la. De alguma maneira somente somos sinceros com quem não amamos
realmente. Quando amamos não nos magoamos... nos calamos, por saber que nosso
amigo também entenderá o que agora entendemos. Mas como é complexo isso!
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Sobreviver Sorvendo o Dia
Tendo ser a
prova viva da Objetividade Genial da qual ensina Schopenhauer; pois, de alguma
forma foi-me “arrancada á escravidão da vontade” ou desprendi-me desta amarra
que é o símbolo maior da nossa prisão ao nada brutal. Minha atenção hoje se
move apenas para o que seria Sobreviver Sorvendo o Dia, pois entendo que a
Terra não tem mais nada a dar-me a não ser o expiar consciente – se é que possa
assim expressar.
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