Uma cena não saiu da minha mente durante alguns meses após ter assistido, mais uma vez, o filme “Pequeno Buda”, com Keanu Reeves.
Nesta cena, Buda, depois de anos sobrevivendo como mendigo, - parte essencial de seu aprendizado para compreender o sofrimento dominando o desejo sobre a matéria - e assumindo, inicialmente, com seus parceiros de floresta esta condição, até transformar-se em um Mestre: faz algo novo que será duramente contestado por aqueles que agora nomeiam-se, seus discípulos.
O Sidarta transformado, assim, de uma hora para outra desperta para uma nova realidade, tão diversa da ensinada, ou até então por ele pregada que é abandonado por seus seguidores como traidor, afinal ele fez uma promessa sagrada de que teria se enveredado para sempre na senda da mendicância, sua convicção categórica levou-o a usar seu próprio corpo como exemplo e modelo da privação total, e agora o encontram praticamente nos braços de uma mulher a beira do rio “banqueteando” uma panela suja de arroz.
Ele não comia muito mais que um grão de arroz por dia há meses, e um dos principais alimentos ingeridos era à base de esterco de aves; como ele pôde desistir, e mais, estar a refestelar-se com um prato de arroz, e ainda, para completar o quadro, na companhia de uma rapariga a beira do rio! Deve ter sido este o julgamento de seus ex-colegas de meditação. (Estaria Ele tendo alucinações de que chegara ao paraíso!?!)
Em uma história riquíssima, na qual assistimos a um desfile de fatos que desperta o sentido mais cético, este é um dos momentos mais significativos do filme, e mostra claramente, quanto o humano pode ter força em suas convicções, onde, mesmo o Ser Sagrados pode mudar conceitos enérgicos e arduamente constituídos, ou seja: que o caminho até então escolhido já não mais era aquele que deveria ser continuado, mas demonstra também, o contrário: a fragilidade daquele que caminha junto, quando estes tentam seguir homens de caráter definido, de opiniões firmes; da dificuldade de acompanhar o raciocínio daquele; e o resultado primeiro e definitivo desta diferença, assimilada, entendida como normal mesmo que envolvida em compadecida tristeza pelo abandonado: é simplesmente virar as costas e debitar ao ingrato o rompimento do acordo.
Por que nunca podemos entender que o outro deve ser livre para ir? É difícil entender esta que é uma das leis do Tao: “quem liberta prende”!
O ser pensante, o ser que busca, pertence ao grupo daqueles de natureza volátil. Quando atingido algum ponto avançado de consciência, a primeira regra é abandonar o velho.
É demonstrar sabedoria, ao admitir que enganara-se, ou que toda aquela idéia bravamente defendida, agora, deve ser desvestida como uma placenta que, mesmo rica, não serve mais para o ser que viveu preso a ela, por mais significativo que possa ter sido o período.
O mundo é volátil, o universo é volátil, é expansão e contração, é mudança, é busca.
Prenda quem lhe é querido libertando-o, diga, se ele resolveu seguir outro rumo que não significa nada para você, que seja feliz e que você estará sempre com ele em seus pensamentos.
A liberdade é maravilhosa, e aquele que verdadeiramente liberta, vive também a liberdade do alforriado.
A liberdade é maravilhosa, e aquele que verdadeiramente liberta, vive também a liberdade do alforriado.
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