Os maiores desejos, os desejos mais inconfessáveis, aqueles arrebatadores que mínguam forças e razões advém de grandes provocações. Ao provocar, Fedro intima e consegue através de um arrebatamento jamais imaginado, regado a jarras de bebidas que, sorvidas a vontade, movem, e tocam as libidos mais íntimas, destarte, desculpados, aportados ou ancorados em um Eros que sequer alguns pudessem imaginar existir sob tantas facetas, lícitas ou ilícitas, eruditos e sofistas, esmiúçam e põem a mostra através de uma linguagem classicamente erótica jamais comparável as impudicas normais a estes tons, as máscaras não apenas do mote do Banquete, e sim de todo um Olimpo de deuses, semideuses, ninfas e amantes, e todos os mais diversos artífices que povoam o vasto, o grandioso universo de um Platão inimaginavelmente inspirado, de posse de sua originalidade mais criativa. Quantos filósofos e pensadores até então não apenas demonstraram seu apreço a Eros, como agora, porém de carona apoiaram com honra o intento totalmente alcançado por um dos neófitos mais dignos de Sócrates, hierofante da cátedra maior do pensamento.
Até mesmo a assustadora Górgona, com sua cabeça de serpentes é transformada; e suas cobras já não assustam, todas são transformadas em símbolos fálicos, musas e rapazolas representam o prazer puro, da pureza que encanta, que atrai, entrementes, estão todos alheios como os eternos seguidores de festas báquicas conscientemente licenciosas, entorpecidos por razões que alucinam, mentes, certezas, convicções estas que Agaton, Erixímaco, Aristófanes o demonstram tão bem, mesmo, e comprovando isto e o contrário como se tudo tivesse que imediatamente e sempre ser lembrado, ou não esquecido, torna-se patente quando novamente, Sócrates, com sua assinatura verbal que, sempre rodeando, pastoreando o borrego estulto como uma serpente que hipnotiza o ser indefeso antes do bote, embora este matreiro assumido, sabe que tudo lhe é permitido quando se está a praticar toda e qualquer arte, faz uso de suas questões, tão capciosas quanto dignas de respostas únicas, assertivas e voltadas a impossibilidade da negativa, demonstrar mais uma vez que nem sempre uma defesa por mais eloqüente e bem postada da palavra é exatamente motivo para total depósito de confiança ou está livre de engano, desde que esta não seja defendida por este último.
Todo orador pode ou tem o poder de hipnotizar, qualquer que seja o ou a platéia ouvinte, e a intenção do possuir, o que não deve ser esquecido é que ao falar de desejo, estamos pisando, trilhando um terreno nevôo, fugaz, escorregadio; é este flagrante que faz com que tudo neste instante seja tratado não apenas com o máximo de cuidado como toda a palavra que antecede a ação é meticulosamente estudada em questões de segundos, como um hábil jogador que precisa desvencilhar-se do adversário e tão rápido deve ser seu pensar quanto seu movimentar-se.
Da tragédia de Sófocles ao poder inquestionável e sedutor aliciante advindo do materializado secularmente à Apolo, tudo é revisitado. As musas são eróticas, porém isto é insuficiente, elas precisam ser erotizadas e materializadas, e assim, envoltas em véus tão mais finos aos jamais vistos, mesmo em ambientes comparados ao de Palas Atena, aparecem, surgem, envolvidas no clima de festividade plangente em meio aos convivas totalmente embebidos, e assim, ébrios, se apresentam agora, ainda mais entorpecidos aos sons de cantos que remetem as sereias e aos insondáveis oceanos dos mais obscuros e inexistentes àqueles conhecidos embora carregados de mistério.
Seria cedo dizer que é demais; não para alguém comum. Na impossibilidade das coisas tudo é possível. Já Eros não é mais mistério. A beleza foi deflorada da forma e na sua forma mais linda e imaginável possível, os mundos nãos do bem, do belo, do sonhado por seres superiores já existem. Tudo é palpável. Mesmo na agressão de Sócrates tem-se o sublime e o concordar, e mesmo as deusas guerreiras depuseram seus escudos ornados com a deusa Palas Atena, a vagina dentada não mais existe. Alcibíades acalmou-se, e seu discurso do mais puro amor ao ser superior terá que, mesmo entendendo que agora seu amor por Sócrates, tornou-se ainda mais, ou ao menos foi inegavelmente comprovado a todos a razão de ser, render-se ao discurso de Diotima tornado matéria através do feio sensível que jamais se viu igual; o injusto executado, eterno defensor do belo.
De um momento para outro o abismo, este vão que amedronta, que espanta e que devora seres e deuses tornou-se fenda, tornou-se não apenas acessível, é agora penetrável e querido, todo o desejo agora volta-se para ela.
Um diálogo Dionisíaco domina então os salões perfeitamente ornados, todos; burburinhos de contentamento, um ulular geral e generalizado apossou-se destas mentes que de tempos em tempos resolvem entregar-se às defloras do prazer agora inquestionável, e todo este clima tem um único motivo, um único homenageado; Eros, tudo aqui esta destinado a brindar Eros. Ele foi e queria ser desvendado e todos os dêmons foram deificados. Nem mesmo a terrível Medusa existe mais aqui, não mais como dantes, sua máscara fora transformada e ela coexiste em meio a Afrodites e por que não Nefertitis e co-irmãos para regalo de todos os partícipes, brindemos, pois; este Banquete báquico de prazeres insuspeitavelmente livres.
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