sábado, 27 de janeiro de 2018

Ah! A Arte



Enquanto isso, no Café Batignolles

- Escutem o que o crítico disse a respeito das minhas telas no último Salon des Independents. “Toulouse-Lautrec pode ser censurado por encontrar prazer em representar a alegria trivial, diversões grosseiras e ‘temas vis’. Parece insensível à beleza de feição, elegância de forma e graça do movimento. É verdade que ele pinta com um pincel apaixonado seres disformes, atarracados e repulsivos em sua feiura, mas de que adianta essa perversão?”

- Tons de Frans Halls – Murmurou Vincent.

- Pois ele tem razão – afirmou Seurat. – Se vocês não são pervertidos, pelo menos são desorientados. A arte se relaciona com coisas abstratas, como cor, desenho, tom. Não deve ser usada para melhorar as condições sociais ou procurar a feiura. A pintura deve ser como a música, divorciada do mundo cotidiano.

- Victor Hugo morreu no ano passado e com ele desapareceu toda uma civilização – comentou Zola. – Uma civilização de lindos gestos, romance, mentiras capciosas e evasivas sutis. Meus livros representam a nova civilização, vocês. Bouguereau ainda arrasta a sua carcaça por Paris, mas caiu doente no dia em que Edouard Manet expôs Piquenique na Relva e morreu no dia em que Manete terminou Olympia. Pois Manete se foi agora, assim como Daumier. Mas ainda temos Degas, Lautrec e Gauguin para continuar o trabalho deles.

- Acrescente o nome de Vincent Van Gogh nessa lista – pediu Toulouse- Lautrec.

- Muito bem, Vincent – Disse Zola, sorrindo – você foi nomeado para o culto à feiura. Aceita a indicação?

- Infelizmente – murmurou Vincent – receio ter nascido nela.

- Vamos formular nosso manifesto, senhores – continuou Zola. – Primeiro, achamos que toda verdade é bela, não importa quão hedionda a sua face possa parecer. Aceitamos a natureza inteira, sem qualquer repúdio. Acreditamos que há mais beleza numa verdade brutal do que numa linda mentira; mais poesia nas coisas simples do que em todos os salões de Paris. Achamos que a dor é boa, por ser o mais profundo de todos os sentimentos humanos. Achamos que o sexo é belo, mesmo quando representado por uma prostituta e um proxeneta. Colocamos o caráter acima da feiura, o sofrimento acima da graça, a realidade nua e crua acima de toda a riqueza da França. Aceitamos a vida em sua totalidade, sem fazer julgamentos morais. Achamos que a prostituta é tão boa quanto a condessa, o concierge tão bom quanto o general, o camponês tão bom quanto o ministro do gabinete, pois todos se enquadram no padrão da natureza e fazem parte da vida!

- Levantem os copos, cavalheiros – gritou Toulouse-Lautrec. – Bebamos à amoralidade e ao culto a feiura. Que possam embelezar e recriar o mundo.


- Bobagem! – exclamou Cezanne.

- E põe “bobagem” nisso! – acrescentou Georges Seurat.

em Sede de Viver
A vida Trágica de Van Gogh
de Irving Stone


 


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