Passava um pouco dos anos oitenta; logo que me mudei para Curitiba um dos primos de uma série deles com quem fui morar fez alguns comentários sobre o filme Muito Além do Jardim (1979), que somente ontem assistimos - minha esposa e eu. Quatro décadas depois de seu lançamento, observo a primeira lição: jamais reclame daquele seu amigo displicente se não assiste tudo o que lhe é indicado.
O filme é
imperdível.
Em algumas passagens o próprio filme faz às vezes de “Chance”, o personagem de Peter Sellers; deixando as coisas no vácuo. Nós em tratando-se de espectadores viajandões estamos sempre a analisar o que a história, a narrativa pretende “realmente” que vejamos. As deixas. Quando na maioria das vezes não é nada do que argumentamos aos quatro ventos; embora este exercício faça parte e um motivo bastante cultuado ao insistirmos na apreciação da sétima arte.
Chance é um
abobado que beira o mongoloide. E monossilábico; por alguma sorte mantém na
maior parte do tempo a boca fechada - seu maior trunfo ainda que não entenda
nada de nada do que está rolando - e pronto. Vivendo em um mundo paralelo sem
imaginar o que realmente está acontecendo.
Chance não existe para o mundo.
Não sabe
ler ou escrever, não têm documentos, não tem família, e assim é enxotado de
casa por uma dupla de advogados que se certifica, com meia dúzia de respostas
distorcidas do jardineiro, de que não irá presta queixa por mais esta covardia
invisível do sistema.
Fazendo de
conta que “Chance” é o próprio filme – e não deixa de ser – e eu mais um dos
abobados que dou atenção e me disponho a analisar o que não compreendo, ou
melhor, não sei da missa um terço. Posso colocar aqui as mais estapafúrdias
interpretações do que assistimos ou compreendemos ser: “recados” do autor da
obra ou do diretor no filme.
Evidente também a falta de princípios voluntários; da falta de segurança dos personagens que demonstram sua constante necessidade de aprovação, mesmo que essa coadune com o silêncio como resposta, somada a face – abobada estática que denota ponderada intelecção reflexiva - que não demonstre crítica ou reprovação.
Ao final, enquanto seis camaradas conduzem o caixão para um significativo mausoléu em forma de pirâmide com um olho encravado na parte superior, o pequeno séquito, durante algumas dezenas de passos; discutem como irão se arranjar para mante suas tetas após as próximas eleições. Lucubrações - uma pequena síntese assinalando a futilidade a qual pode facilmente descambar a sobrevivência humana. A bagaçada se estende em meio ao translado de um defunto já sem poder algum quando um deles aventa o nome do sujeito até então invisível...
Voltando à terra; quatro décadas depois, não é difícil imaginar que o autor do romance “O videota” Jerzy Kosinski se trata de um autor observador cuja obra distinta se assemelha a George Orwell facilmente classificados entre aqueles que previam que o comportamento humano há tempos vem fabricando seus “Chances” contemporâneos.
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