sábado, 30 de julho de 2022

"Dreams of Ophelia"

 







“Então é isto que vocês chamam de vida; eu não gostaria disso nem para a minha morte”. Em uma era muito distante à Rilke, em meio aos esforços dos  últimos suspiros, ela se deixa conduzir pelas águas translúcidas e inconspurcadamente límpidas co-partícipe de sua fortuna desde sempre, e imaginamos que, ao cometer o derradeiro ato ela expressa a síntese de sua sorte infeliz, que entendia ser também o resumo da sua existência como princesa.








A mais serena de todas as pessoas com quem conviveu foi levada ao ato mais estarrecedor, originado na loucura e desatino que torna insuportável a vida descompensada a nossa volta.

Ophelia, instruída e atenta ao mundo além dos muros do palácio não encontra uma única alma capaz de preencher as lacunas que mais aumentavam suas dúvidas quanto mais ouvia o pretextar inócuos dos conselheiros do rei.






Não havia sentido real em nenhuma atitude da corte. Conquistas que levavam a mais insegurança.

Quando pequeno, o povoado precisava ser protegido por cavalheiros ordenados e que em nome do rei não raro esfolavam, roubavam filhos e mulheres onde algumas poucas lhes eram devolvidas ou escapavam, porém, todas, em estado deplorável. Uma vez grande, havia toda uma ocupação para não perder espaço ou se desguarnecer e ser atacado por tribos e reinos, insegurança que atingia inclusive estados aliados.






De resto tudo era um enfado se caso não fosse um pecador que vive a fornicar a vida alheia somado aos acontecimentos que tanto homologavam quanto mais originavam uma serie de novas prevaricações.

Por sua vez, seus sentimentos, mesmo que pouco pensasse a respeito, a lacuna do seu coração de alteza estava ainda mais distante de ser preenchida que suas dúvidas palacianas, monásticas e feudais. Havia um séquito que cortejava sua beleza, porém não faziam par a sua sabedoria. Outros, mais próximos ao pai, a viam com interesse político, a buscavam para uma egoísta aproximação ao rei, no entanto não demoravam a se revelar, porém seu reduto como princesa era ínfimo e sua maior angústia residia no terror que a paralisava ao imaginar que o rei a usasse como moeda de troca; destino de todas as princesas que conheceu e de boa parte delas que povoavam as histórias na corte e em escassos livros sobre o tema, que devorava com a avidez de iguarias. “Não há nada aqui que supere meu interesse por bons livros”.






Contrária a todos na corte, nutria grande apreço ao circular próximo à criadagem. “Únicos espaços onde a realidade é mais pura” considerando as dezenas de alas, algumas realmente inabitáveis – mesmo por sua vontade - no palácio”.

Apesar de a sabedoria entre os criados estar limitada aos afazeres de cada um, ao serem costuradas as percepções como um todo, uma colcha de retalhos de saber se estendia cobrindo todos eles, dos afazeres domésticos corriqueiros às tramas políticas, perfídias e ardis digno dos mais instruídos palacianos e Ophelia era a única que sabia esse segredo e o guardava para si. Ninguém realmente se interessaria e, compartilhá-lo, não apenas não seria entendido por ninguém outro, como poderia colocar em risco alguns de seus amigos. “Meu pai reinaria muito melhor se os escutasse.”










Então chegou momento tão temido da paralisia estarrecedora. Sua mãe que nunca a procurava nos seus aposentos e jamais a acordara, agora o fez despertando-a mais cedo do que de costume. Uma senhora que, não fosse a pompa de rainha, transpareceria somente sofrimento e frustração que eram camuflados entre as futilidades diárias de uma mulher sem brio; com poderes sobre todas as outras que conhecia, porém, que constantemente era lembrada e castigada a carregar o estigma por ser a culpada direta de não ter gerado um herdeiro ao rei.






“A alegria da mãe entristeceu ainda mais o choque da notificação”. Uma mãe ausente que abençoava todas as decisões do marido e que da parte dela, o casamento da única filha era a oportunidade de revelar toda a pompa do reino aos reinos subjugados; o casamento em si, dada a euforia dos acontecimentos não seria levado em consideração até que algo maior contra a filha - caso fosse reclamado - já muito após as núpcias, o que sempre se revelou “alarde de filha mimada” afinal, aqui, as mulheres são apenas valorizadas se cumprem o único papel a que prestam ou tem sentido aos seus senhores, como já dito: moedas de troca.






O príncipe, mais um beberrão do Norte, causou-lhe asco à primeira vista independentemente do que ouvira falar dele entre as arrumadeiras, ou então cozinha, estábulos e jardins. Sabia que, devido sua posição, era pressionada a se prestar aos papeis obrigatórios e mentiroso do festim e toda a artificialidade da aliança que em nada lhe convinha, e, ao menos aos olhos de todos, forjou como jamais tivera feito, o papel de noiva exemplar. Poupada devido aos afazeres do enlace e a distância entre o reino de seu consorte - que paliativamente lhe servia como um alívio ao jamais ter contato com o brutamontes até o que entendia como o iniciar de sua mais completa agonia.












Agora, entregue a volatilidade da alma, flutuava sobre as copas das árvores, suas eternas e melhores ouvintes, únicas dignas de seu amor. De onde via seu corpo cuidadosamente enfeitado sendo mansamente levado; unidos na pureza jamais encontrada entre os seus.













Dedicado à 

Cora Coralina
















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