É certo que todo aquele que combate com todas as suas forças o padrão cotidiano estabelecido e é contrário a qualquer lei, qualquer acerto, qualquer contrato, convenção ou entendimento que direcione um; um grupo ou um povo inteiro ao processo de manada, ao processo de cegueira fanática ou mesmo algum tipo de dependência; precisa mostrar energia suficientemente superior mesmo a que aparentemente é desperdiçada por todos aqueles que permanecem inertes ao estado vigente heroicamente combatido por este. Uma tarefa praticamente impossível, pois este será visto como estranho, diferente, esquisito, um maldito que estará sempre em evidência tendo seus interesses que paradoxalmente e de forma espetacular, aparecem aos demais como exclusivos e egoístas, não raro é posto a prova, contrariando toda a escrita; uma vez que sua ânsia está totalmente voltada a liberdade de todo o grupo que constantemente o condena. Este é o castigo de todo o tolo que enxerga além das assas protetoras, além da porta pretensamente segura da caverna, além das palavras majestosamente manipuladas de uma história passada que pouco ou nada tem a ver com o palmilhar de tempos outros.
Coloca-se assim, inadvertido, ou como se calçasse uma missão que independe do querer, quase como se diante de um ente querido que esteja a correr sério risco de vida, afogando-se, por exemplo, em águas hostis, atira-se então, de súbito, de forma instintiva, porém consciente, como se parecesse entender, mesmo num interstício de tempo, que antes correr o risco de também fazer-lhe companhia numa possível morte prematura, a assistir incólume, vendo que ficará apartado e só, carregando para sempre a dúvida de nada ter feito.
Contra a parede intransponível de um histórico providencialmente rearranjado; sem levar em consideração, por não ser o caso aqui, a dependência mórbida tão prejudicial quanto à coletiva de um único elemento por outro, o homem ativo é contrário a qualquer menção que leve para uma opinião impensada, por menor que seja. Tudo, todas; precisam ser arduamente estudadas e planejadas, e quando a impossibilidade do meio o joga em uma profunda fossa fétida junto com os demais, o homem ativo jamais age como o demagogo, hipócrita que ali vive a reclamar imaginando que a culpa é daqueles que o circundam, mesmo que siga enxovalhando também os possíveis provocadores, - mais por parecer minimamente, ou provavelmente, com a intenção de mimetizar-se ao meio - de sua desdita. Nada, este se aquieta na razão amiga; companheira silenciosa e infatigável – principalmente porque esta lhe dá força suficiente para tudo suportar. Primeiramente buscando os motivos, quando já não os entende, (geralmente próprios, talvez por terem sido julgados impróprios aos seus algozes, um pequeno custo que o seguirá sempre enquanto envolvido com tantas diferenças) que o jogaram ali, porém, jamais gastará seu tempo reclamando, ao contrário, usa este, que continua a lhe ser precioso, apenas para imaginar uma forma de sair desta condição de maneira honrada, e, quando possível, liberta um que outro mais próximo, porém vive qual Sócrates que sabe estar sendo assassinado por aqueles que não conseguem verdadeiramente atingi-lo e, enquanto toma o fel venenoso põem-se a explicar, geralmente ao léu, que podem lhe tirar a vida, mas de sua razão, de suas idéias, jamais se apossarão.
Assim geralmente vive e destoa aquele que quer; aquele que busca ainda mais fundo, mesmo que se trate ele, apenas de um erudito; em meio a todo um conjunto de pessoas que não imaginam que motivo possa haver em conservar uma razão destoante, fora dos padrões culturais e convencionais estabelecidos ao longo da história. Concordamos então quando Nietzsche registra que esta vida apenas está valendo a pena quando seu histórico o conduz a um louco maldito e não digno de crédito por ser contrário ao contrato estabelecido, uma vez é claro que este esteja de posse de todas as suas faculdades mentais, embora estas não devam ser postas a prova ou depender do aval daqueles que redigiram o contrato.
061.d cqe