sábado, 26 de novembro de 2011

A ordem é: Não; à leitura


Até quando estes textos serão ainda atuais !?!

O Texto a seguir é de autoria de J.R. Guzzo


Poucos Amigos

"Prega-se, ao longo da trama, todo tipo de causa,
da defesa das geleiras à política de cotas raciais,
da preservação dos mangues
à condenação da gordura trans."


Numa dessas anotações que certamente contribuíram para lhe dar a reputação de grande fotógrafo da existência humana em sua época. Stendhal observou que a Igreja Católica aprendeu bem depressa que o seu pior inimigo eram os livros.

Não os reis, as guerras religiosas ou a competição com outras religiões; isso tudo podia atrapalhar, claro, mas ao final, o que realmente criava problemas sérios eram os livros.

Neles as pessoas ficavam sabendo de coisas que não sabiam, porque os padres não lhes contavam, e descobriam que podiam pensar por conta própria, em vez de aceitar que os padres pensassem por elas.

Abria-se para os indivíduos, nesse mesmo movimento, a possibilidade de discordar: Para quem manda, não pode haver coisa pior – como ficou comprovado no caso da Igreja, que foi perdendo sua força material sobre países e povos, e no caso de todas as ditaduras, de ontem, de hoje e de amanhã.

Stendhal estava falando, na sua França de 200 anos atrás, de algo que viria a evoluir, crescer e acabar recebendo o nome de “opinião pública”.
Os livros, ou, mais exatamente, a possibilidade de reproduzir de forma ilimitada palavras e idéias, foram a sua pedra fundamental.

A leitura de livros, ou de qualquer coisa escrita, não parece estar num bom momento no Brasil de hoje, a opinião pública também não.

Vive-se uma época em que a cada três meses é anunciada alguma “revolução” nisso ou naquilo, depois da qual o mundo nunca mais será o mesmo de antes.

Quando tais portentos envolvem áreas ligadas à comunicação, sempre se insiste de um jeito ou de outro, em prever que a leitura está a caminho de se transformar num hábito do passado.

Cada vez mais, no dia a dia, sua valorização (da leitura) é posta de lado, ou relativizada, como se diz. É comum, por exemplo, ouvir declarações lamentando que árvores sejam cortadas para produzir papel destinado à impressão.

A única forma aceitável de leitura, para muita gente boa, deveria ser a tela de algum artefato digital. Empresas de grande renome não consideram uma virtude, no julgamento de seus executivos, o gosto pela leitura, a não ser que se trate de publicações profissionais.

Não passa pela cabeça de nenhum recrutador perguntar a um candidato a emprego o que ele está lendo, por mais alto e bem pago que seja o posto a ser preenchido.

É claramente desaconselhável ao funcionário, no ambiente de trabalho, deixar sobre a mesa qualquer livro que não seja diretamente ligado à sua atividade.

Arrisca-se, caso contrário, a ser interrogado pelo chefe: ‘”Por que você está lendo isso?”. Nas novelas de televisão, que continuam sendo o principal entretenimento para milhões de brasileiros, jamais se vê um personagem lendo um livro.

Discute-se com muito calor, no momento, quantos beijos entre pessoas do mesmo sexo podem ser dados num capítulo, ou se um casal gay pode aparecer tomando café da manhã na cama.

Prega-se, ao longo da trama, todo tipo de causa, da defesa das geleiras à política de cotas raciais, da preservação dos mangues à condenação da gordura trans.

O que não aparece, de jeito nenhum, é alguém lendo alguma coisa. O ato de ler também está banido da publicidade de consumo. Há uma clara preferência, aí, por algo que se parece muito com um culto intensivo à boçalidade.
Da atitude geral do governo diante da leitura, então, é melhor nem falar; registre-se, em todo caso, sua profunda satisfação em anunciar, sempre que é incomodado pelo noticiário de escândalos publicados na imprensa, que o brasileiro não lê nada.

Naturalmente, ninguém se coloca hoje como inimigo dos livros; mas é certo que muitos se beneficiam com o fato de que a leitura, nestes dias, tem poucos amigos na praça.

Quando menos se lê, menos idéias são mantidas em circulação. Quanto menos idéias, menos espaço sobra para a discordância, a procura de alternativas e a fiscalização dos atos do governo.

O resultado, na prática, é uma indiferença generalizada em relação ao comportamento de quem governo. Não há muito a fazer quanto a isso. A opinião pública não tem nenhuma obrigação de pensar assim ou assado, muito menos estar certa, ela é o que é, e parece perfeitamente inútil esperar que sinta o que não sente, ou que queira o que não quer.

Essas realidades, entretanto, têm o seu preço. No caso do Brasil atual, o desinteresse pelo que acontecesse na vida pública é pago com a multiplicação, em ritmo cada vez mais rápido, de todo tipo de parasitas dedicados a prosperar com o dinheiro do erário público.

É certo que eles não irão embora por sua livre e espontânea vontade.

J.R.Guzzo

“Compre livro, ele não se vende”,
ou seja, todo livro é incorruptível,
ele é o que é, e talvez seja por isso
que aos grandes impérios inseguros,
incentivar a leitura não é uma prioridade.

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