sábado, 21 de março de 2015

Às cegas




Era importante observar que, apenas questionando sempre
conseguiremos a excelência também no questionar,
e então,
não será mais qualquer resposta a nos convencer,
 por já estarmos escolados ou níveis acima do lugar comum.







Rabiscando alheio, algumas palavras ontem à noite sobre um assunto qualquer que chamou atenção no filme “Boyhood”, antes mesmo de deitar; na intenção de retomá-las no exercício matinal diário. Entre as palavras, uma fazia referência às nossas desculpas para continuar a vida que a princípio é desprovida de sentido, justamente, ou também, por não faltar opções de escolha, quando nem mesmo assim a percebemos – um dos pontos implícitos no filme. Porém a falta de conhecimento ou de pessoas que deem as respostas certas faz com que deixemos pra outro momento essa espécie de questionamento.

Parece-nos que as únicas encontradas – até então e para sempre – respondem com seu conhecimento amador, formatado de “achismos”, pesquisas ineficientes ou conselhos tipo remédio caseiro, aquele que vem sendo há anos macerado e se encaixa em todas as dores. Todos com palavras mais ou menos sedutoras a nos manter caminhando sem a solução definitiva, - ou mais definitiva ou provida de algum sentido -, e então se encaixa aqui o que entendi como absurdo, ainda que, aos olhos do expectador, - dentro ou fora da sala de cinema– não há eventualmente, motivo algum para essa discussão extra película, onde o pai do rapaz responde a um filho calado, porém questionador, inserido em uma aura de normalidade impensada; que o momento do questionamento irá passar. Ou seja; quando não há resposta, espere que a vida encarregar-se-á de apagar sua ânsia. Esta é uma verdade crucial, porém, desanimadora.

O cotidiano que lhe caiu à cabeça irá abafar suas dúvidas mais sérias e então, você se espelhará no todo ao seu redor devido à agressividade do momento, - a velha máxima da falta de tempo - no seu entorno, no entorno da novela, do filme, das notícias e mais uma vez será convencido – autoconvendido – de que o mundo é isso aí, mas eu digo que não. Que apesar de ser assim que tudo funciona; algo é inquestionável: não é assim que devemos agir.

Se por ventura, questões de foro mais profundo lhe invadem o espírito, a consciência, você jamais deve abafá-las, deveria fazer uma espécie de anotação – “lembrete” -, como aquela que amarrávamos uma fita no dedo, quando criança, um lembrete, para que não nos esqueçamos de algo. Esse exercício pode muito bem ser continuado nos questionamentos que não são fáceis de serem abordados. Não devemos negligenciá-los ou deixar que amadores respondam. Muito menos se contentar com qualquer resposta que o site de pesquisa aponta – caso você chegue até esta fase.

O que não podemos fazer é esconder, abafar, dar como respondido, como resolvido, precipitadamente, algum caso apontado como: “não esquecer” – para qualquer dúvida que ainda carcome, ardendo, sem dar trégua à mente. É claro que aqui está um pouco forçado; mas é evidente a necessidade de que assim fosse. A mínima dúvida pode ser o portal para uma descoberta revolucionária, porém essa brasa precisa manter-se acesa.

Durante a longa caminhada, um número significativo de pessoas a que acessamos afirmam ter as respostas, porém vivemos em uma época onde o fato de termos várias possibilidades de encaixá-las torna fácil banalizar todas as questões, e é muito comum que uma resposta mal aceita anula precipitadamente outra. Essa é uma armadilha na qual caímos por comodismo, usando uma delas como desculpa (muleta) para continuar uma vida que geralmente não se quer encarar como problemática, a qual, ainda assim, estamos convenientemente acostumados. Por sua vez, encaixamos as peças e “ticamos” a “anotação” como “respondida”; “solucionada”, mas não é tão simples assim. Não se você quer mais.

Fica fácil então entender porque, quando explicam os psicanalistas: que existem muitas frentes trabalhando nossas mentes, afirmando como a vida se mantém e porque devemos acreditar nelas. Mas aceitar essas meias verdades não pode resultar no encerramento de questão alguma tida como essencial.

É óbvio que essa conversa não serve para um evolucionista materialista inveterado, porém começando com eles; a ciência afirma suas convicções em milhões de compêndios, muitos sem elos – incansavelmente procurados - entre elas que se sustentam. E o que isso significa? Que eles também não têm as respostas. Por sua vez as religiões, todas; garantem ser a resposta, mas nenhuma delas, - aqui, apenas aquelas dotadas de um mínimo de bom senso - consegue convencer a todos indistintamente que estão certas. E esse é um ponto que mantém ou deveriam manter muitas “anotações” em aberto.

Em seguida temos as tradições, as seitas ou costumes a que pertence cada povo, e finalmente e o mais importante, nossa consciência que mantém firme todo um emaranhado, um amontoado de convicções distintas e próprias – algumas, absurdamente particulares -, porém, como disse o filósofo, convicção nada mais é que uma prisão. Não digo que concorde com ele, porém devemos pensar que as convicções nossas de cada dia devem ter um tempo de validade, ou, no mínimo, estarem constantemente em reciclagem ou passando por alguma espécie de contextualização. Nada é totalmente estanque hoje se você se quer ativo ou ainda pretende concretizar algumas mudanças interior.

Fato é; que as respostas não estão a mostra em qualquer vitrine, ou disponíveis no mercado a qualquer um, e, digo aqui uma espécie de segredo, uma espécie de pulo do gato, que não tem nada de mistério. É apenas uma observação daquelas, pertinente impertinente: a resposta não vem para o acomodado, ela existe, mas é necessário não dar um delete no “lembrete” assim que a primeira resposta efusiva convencer sua mente de que encontrou a solução ou o caminho para uma possível. E agora um clichê para não perder o costume; também aqui, o fácil serve mais para que você continue mastigando, ruminando ao sol e sob as intempéries árduas do existir: uma vida que, provavelmente aqueles que o convenceram de que é assim que funciona não estarão por perto na hora do desespero, ou, se por ventura foram obrigados também a ficar; com certeza não terão tempo pra você neste momento.

 Caminhamos às cegas; esta é a única certeza. Ainda não entendemos o propósito maior, aceitando qualquer um momentâneo, artificial ou convenientemente escolhido ou imposto (fruto de uma imposição não percebida). Ao menos àqueles envoltos às convicções que lhes chegaram envelopadas. E também aos colegas que não prestam atenção a ânsia maior de que o algo faltando ou que não se encaixa: não surgiu por acaso; onde, por mais que não queira dobrar-se a isso: para tudo há um propósito outro, geralmente bastante diferente daquele escolhido. O que falta é coragem para encarar essa pequena verdade cotidiana.

Ou também ainda e mais uma vez, a ideia que se tornou lugar comum nas nossas observações: aqueles que entendem que está tudo bem, que é assim mesmo e que não devemos nos envolver com coisas da nossa imaginação quando tantos outros afirmam e milhares de outros os ceguem, digo “seguem”, por eles sim terem trabalhado “por nós” respostas que diziam respeito apenas a nós; em suma, pessoas que encontraram pessoas que possuíam as respostas convenientes as suas necessidades prementes; sufocando assim o sentido da busca.

Então, como diz o pai do garoto no filme, fazendo uma alusão de que o momento vai passar, bem como seus questionamentos e talvez – é o final do filme – sufocando para sempre a ânsia do rapaz por buscar um sentido; contradigo contrariado e provocando: questione, seja um questionador, insista nas suas questões, não se dê por vencido. São somente esses; aqueles que não se acostumam com a forma que todos conduzem a vida, aos quais as primeiras Respostas Verdadeiras virão.

Da série; pertinente impertinente.

*

Boy – Então de que adianta?

Dad – O que?

Boy – Tudo!

Dad – De que adianta? Não faço ideia. Ninguém sabe. Estamos só vivendo, sabe? Pelo menos está sentido algo. Aproveite, isso passa. Você envelhece, não sente tanto, você cria resistência.

(Boyhood,2014)

040.i cqe