sábado, 17 de setembro de 2016

Mutismo



Somos dados ao falar, e não falamos apenas com nossas bocas enormes. Descobrimos que podemos falar com o corpo, com as roupas, carros, casas, empregos. Mandamos nosso recado de várias maneiras. Se questionarmos um legista forense, ele dirá que o morto fala; dependendo das circunstâncias da morte, bons profissionais podem descobrir pistas e a partir de então desvendar mistérios que envolvem todo o conjunto que ocasionou a ação principal se este for o caso, o que no caso é bom; não é incrível que chegamos ao ponto de que é mais importante falar quando morto? Que o diga o vivíssimo pessoal que vive da arte exprimida em vida.

Há vários bons motivos para que falemos; para repassar informações e esclarecer dúvidas pertinentes, para acariciar com palavras alguém realmente necessitado, para agradecer, para ensinar, para que possam formar boas opiniões a nosso respeito, estes são os principais, porém, se não questionáveis, adquiriram uma “elasticidade” em suas interpretações e importância; o que nos leva ao questionamento e desabono em alto grau deste valioso recurso.

Então, falar, hoje, cansa; caso seja você alguém desconfortável com os rumos da humanidade. Quanto mais é feliz aquele que evoluiu, descobriu-se ilhado desfazendo-se em prolongados silêncios; soturno, para o repassar palavras, quaisquer que sejam, além da comunicação naturalmente exigida no dia-a-dia! Falar; comunicar imaginando mudança tornou-se mais pretensão que vontade de corrigir algo. Desculpe; quem é que pensou em correção? Ninguém quer saber de correção, e estou eu aqui, atropelando e autoproduzindo provas, falando demais.

Se tivesse condições, se fosse possível, andaria sempre com minha mulher ao lado. Ela tem um discernimento todo especial, quase alheia ao nosso mundo, e, ainda que se expresse normalmente quando raramente estamos juntos em companhia de terceiros, ela não tenta passar mensagem alguma, sempre bem humorada, boa desconversadeira, retém-se a amenidades; informada a contento, traça comentários do cotidiano se perguntada, porém, no mais das vezes apenas interage, mas principalmente, quando estamos a sós, me questiona sobre minha verborragia desperdiçada; meu gasto de energia a toa quando estava claro que fora inútil, que não havia o contexto apenas imaginado na minha cabeça para a exposição que ouviram apenas por respeito a minha idade; ah! ela me faz falta lá fora onde apenas pratico mentalmente, como um desejo querido, o mutismo perseguido.  
  
Contribuição da Minha Sempre Bem Amada


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