(...)
Comparados com os dos teocratas, os teatros de marionetes erguidos pelos
dirigentes totalitários são algo quase insípido. Também eles suscitam um boneco
recheado de estopa que enfrenta a Criatura e disputa a vontade do público menos
avisado. Para os nazistas, esse boneco perverso eram os judeus; para os
comunistas, era a burguesia internacional e a economia de mercado, que como
todo mundo sabe, são feitas da pele do diabo (e isso é quase a única coisa que
alguns sabem e querem saber sobre essas coisas). Essa pendência do mais alto
nível no teatro de marionetes coletivista acaba por embargar a atenção dos
espectadores e facilita o rapto de suas liberdades pela e para a Criatura.
Tanto aparato e colosso no espetáculo (o suposto enfrentamento entre entidades
sobre-humanas) são, evidentemente, parte essencial para capturar a
disponibilidade dos congregados, ao fazer que se sintam pequenos e
insignificantes diante do que ali transcorre.
Com truques tão absurdos e de tão baixa
qualidade intelectual, líderes monoteístas, nacionalistas e marxistas têm,
ainda hoje, as vontades de milhões de pessoas dominadas em todo o mundo. A
coisa seria para levar na brincadeira, não fosse o fato de já sabermos como é
perigoso todo esse teatro montado por titereiro intelectuais empenhados em nos
fazer acreditar na existência de Criaturas coletivas e sobre-humanas, e no fato
de que sua vida e suas paixões não apenas existem, mas são infinitamente mais
valiosas que as das pessoas de carne e osso; você e eu, sem ir mais longe. Por
mais pueris e primitivas que sejam essas artimanhas, não podemos desdenhá-las
(entre outras coisas, porque até quem manipula as marionetes chega a acreditar
nelas): demonstraram sua efetividade, seu poder para que os donos do teatro de
bonecos pastoreiem multidões inteiras e as confrontem com outras multidões.
Por mais imponente que seja o modo como
os ventríloquos da política (ou da religião) apresentam seu espetáculo, por
mais prosopopeia que derramem para preparar o seu show para o público, nunca se esqueça de que aquilo é um teatro de
marionetes recheadas de estopa. E faça como Lili: puxe com força a cortina e
descubra que sempre há um ventríloquo por trás, mais ou menos interessado em
sustentar o engano, mais ou menos interessado em apoderar-se de sua vontade
para alimentar a dele, já bastante inchada. Se quer me ouvir, libre-se de
Platão e de tolos que fizeram e fazem da política uma variante da arte da
ventriloquia; e corra, corra mais que suas próprias pernas. p252
Carta Aberta
de Woody Allen para Platão,
cinema e
filosofia.
Planeta.
Juan Antonio
Rivera.
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