“Nietzsche não quer seguidores, detesta rebanhos e o
espírito gregário. Na medida em que o homem opta por ser rebanho, recusa o
entendimento profundo de sua própria vida e acredita na ficção de que a máquina
do mundo pode ser explicada pela lógica e pela retórica. Nietzsche quer
leitores que possam traí-lo, que possam seguir seu próprio caminho, como diz
Zaratustra: “Retribui-se mal um mestre quando se permanece sempre e somente
discípulo. [...] Agora, vos mando perder-vos e achar-vos a vós mesmos [...]”. Ao
se recusar a tutorar o leitor, o autor aguarda que de sua reação venha uma
resposta criativa, inédita. De fato, o que temos aqui é um ódio ao senso comum,
à leitura rasa do mundo. Mas por que afinal Nietzsche se furta a oferecer
coerência e se esconde em suas máscaras, em seus personagens? Por que se nega a
comunicar-se com precisão com o seu leitor? Ora, a comunicação é o império do
consenso, o acordo imediato e óbvio, a interpretação rasa que enxerga tudo pelo
canal mais corriqueiro. O enigma garante uma reserva, uma obliquidade, obriga o
pensamento a levantar voo. O leitor, ao mesmo tempo em que se irrita por se ver
contrariado, sem ter a reta razão ofertada pelas linhas de Nietzsche, sabe que
as ideias que encontra são convites ao pensamento autônomo e pode sentir que,
de fato, trata-se de uma filosofia que o respeita.”
Rafael de Paula Aguiar
Araujo
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