sábado, 14 de novembro de 2015

Crítica vã - Uma homenagem

Um argumento infantil não pode ser redarguido, deixamo-lo, por se entender a inutilidade de fazê-lo.

Não há limites à criação, e ainda que uma razoabilidade seja necessária, é muito provável que ela jamais seja entendida na sua extensão.


A busca deve se concentrar em atingir esse voo além das nuvens que provocam o ruído; compreende ser isto próprio delas? O atritar da matéria... têm elas a ciência limitada a sua natureza de fazer chover. Cabe ao que sabe... calar.

Pensei esse texto após ler a carta de Salman Rushdie,
transcrita abaixo,
por ocasião da abertura do
Parlamento Internacional de Escritores.

*

O texto abaixo é de autoria de Salman Rushdie que integra o livro “A força da palavra” de Betty Milan.

O autor de “Os versos satânicos” redige à época, uma Declaração de Independência, a carta de princípios do Parlamento:
Esse, criado depois da condenação de Rushdie, que passou a viver na clandestinidade, em junho de 1993, concomitante a uma atrocidade se par, onde vários escritores são assassinados na Argélia. Face a esses crimes, um grupo de cinquenta escritores e intelectuais europeus e americanos, apoiando-se numa ideia do sociólogo francês Pierre Bourdieu, que propõe a fundação do Parlamento Internacional dos Escritores (International Parliament of Writers - IPW).

O apelo é enviado a mais de duzentos escritores do mundo inteiro e aceito unanimemente.

Reivindicando a autonomia da literatura em relação aos diferentes poderes e insistindo na necessidade de uma estrutura capaz de organizar um movimento de solidariedade internacional, o grupo funda o parlamento em novembro de 1993.

O trabalho do Parlamento exige instâncias de deliberação e de execução. Isso resulta na criação de um Conselho, presidido por Salman Rushdie e composto por Adonis (poeta libanês), Breyten Breytenbach (escritor sul-africano), Carlos Fuentes (escritor mexicano), Édouard Glissant (escritor martinicano), Jacques Derrida (filósofo francês), Pierre Bourdieu (sociólogo francês) e Toni Morrison (escritora americana).


“Os escritores são os cidadãos de muitos países – o país limitado e ladeado pelas fronteiras da realidade observável e da vida cotidiana, o reino infinito da imaginação, a terra semiperdida da memória, as federações do coração simultaneamente incandescentes e geladas, os estados unidos do espírito (calmos e turbulentos, largos e estreitos, regulados e desregulados), as nações celestes e infernais do desejo e, talvez a mais importante das nossas moradas, a república sem entraves da língua.
São esses países que o nosso Parlamento dos Escritores pode, sinceramente, e com tanta humildade quanto orgulho, pretender representar. Em conjunto, eles englobam um território bem maior do que o jamais governado por qualquer potência terrestre; no entanto, as suas defesas contra esse poder podem parecer muito fracas.
A arte da literatura exige, como condição essencial, que o escritor possa circular entre aqueles numerosos países como bem entender, sem necessidade de passaporte ou visto, fazendo o que quiser com eles e consigo mesmo. Nós somos mineiros, ourives, homens sinceros e mentirosos, bufões e chefes, mestiços e bastardos, pais e amantes, arquitetos e demolidores. O espírito criador, por natureza, não tem limites nem fronteiras, rejeita a autoridade dos censores e dos tabus. É por essa razão que ele é frequentemente tratado como inimigo por potentados fortes ou insignificantes, os quais atacam a arte por construir imagens do mundo que ferem ou sabotam as suas próprias representações, mais simples e menos francas.
No entanto, não é a arte que é fraca, os artistas é que são vulneráveis. A poesia de Ovídio sobreviveu; a vida de Ovídio foi miserável por causa dos poderosos. A poesia de Mandelstamm continua viva; o poeta foi assassinado pelo tirano que ele ousou nomear. Hoje, no mundo inteiro, a literatura continua a se opor à tirania – não de maneira polêmica, mas negando-lhe a autoridade, trilhando o seu próprio caminho, declarando a sua independência. O melhor da literatura ficará, mas nós não podemos esperar do futuro que ele a libere das cadeias da censura. Muitos autores perseguidos também sobreviverão, de uma ou de outra maneira, mas nós não podemos esperar em silêncio o fim de sua perseguição.
O nosso Parlamento dos Escritores existe para lutar pelos escritores oprimidos e contra todos os que os perseguem – a eles e a suas obras – e para renovar incessantemente a declaração de independência, sem a qual a escrita é impossível; e não somente a escrita, mas o sonho; e não somente o sonho, mas o pensamento; e não somente o pensamento, mas a própria liberdade.”

Salman Rushdie

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