Uma história
contada por um adepto da Seicho-no-ie há algumas décadas me impressionou muito.
Não posso
dizer se a coisa se deu por conta do local, da expectativa juvenil, do momento
ou da situação bastante estranha para meu entendimento de iniciando, afinal o
evento parecia que não tinha nada a ver com a doutrina japonesa.
Algumas
passagens de nossas vidas, por maior que seja a audiência, pode que marque
apenas você. Dezenas ouviram a mesma história; quantos dela ainda lembram?
Aquele lance que dizíamos sempre antes da maturidade “parecia algo direcionado;
que o cara estava falando diretamente para que eu escutasse”.
A lenda, hoje,
é terrivelmente simplória, fazia referência às pessoas que têm posses e querem
ainda mais, porém a medida que vão adquirindo um mínimo de consciência
finalmente percebem que muitos a sua volta conseguem sobreviver com menos do
que possuem e aproveitam a lição para reclamar menos ou até frear vontades
meramente egóicas. O conto foi longo; iniciando as comparações a partir de um
rico proprietário de aviões etc. a alguém que possuía somente carros de luxo
que por sua vez observava um terceiro que vivia bem, conduzindo um carro do ano
e assim foi até concluir com um passageiro de ônibus que observa pela janela
alguém de chinelos que provavelmente não tem o suficiente para o ticket da
passagem e ainda assim não parecia desesperado.
Como disse,
há época, esta história impactou bastante.
Centenas de
histórias depois e milhões de reflexões o conto desvelou, ou ampliou, os
perigos que a passividade barata apregoa ao sujeito desatento.
E como
atravesso essa ponte? Ou ainda pior; comprada a passagem e uma vez embarcado na
inação do mais um; como desembarcar? Como obter a atenção devida para manter o
equilíbrio para ponderar, analisar e avaliar para mais ou para menos o que vem
embalado e pronto para nossa apreciação?
Atualmente,
muitos anos depois do encontro, sou adepto a passividade ativa e há anos venho
trabalhando e praticando este mantra; queremos tudo, porém buscamos pouco. E o
que é a busca? O conhecimento. Preciso conhecer para querer, digo, o querer
particular, porque antes preciso saber o que quero independentemente do que
quer o externo no ou do que ele mostra ser o melhor; um melhor atávico, talvez
arranjado, embrulhado para o entendimento comum, e somente decifrarei isso
através de muito procurar. Sanado isso, por osmose atingimos a todos
naturalmente.
Enquanto a
atividade me impele ao querer, a passividade me recolhe à ponderação, à
paciência, à espera ávida, porém relaxada, e a cada dia um pouco mais
equilibrada no sentido de conscientemente descansada, no entanto, sempre
atenta.
Esta semana
observei que alguém assinalou sobre a naturalização da miséria no nosso país –
pontuando uma realidade que não queremos aceitar. Não li o artigo, porém
empresto aqui a expressão; o que temos transformado em natural em nossas vidas
porque o externo tem mostrado que não há saída fácil?
É natural que
muitos dos nossos filhos abandonem as escolas! Afinal, não está fácil manter o
filho estudando. É natural então que a cada dia mais as pessoas vivam de
biscates entrando obrigatoriamente para as estatísticas do Trabalho Informal!?!
É natural ver a podridão da classe política!?! É natural o assédio, o racismo,
a discriminação; bater na mulher, apanhar, beber, se drogar!?!
Mas eu não
suporto a ar de arrogância dos patrões, diz um; o bullying dos colegas
argumenta outro; o empurra-empurra das lotações etc. E não é melhor isso do que
viver de favores, ser um estorvo ou pior, marginalizar-se de verdade?
Não há saída
fácil fora do suportar.
Todos nós
precisamos suportar. Todos.
Rico,
celebridade, político, autoridade; todos estão a mercê de seus demônios. Não há
um sequer nessa homogeneidade visível que tenha a soberania de seus atos, nem
mesmo o rei; também ele não pode fazer o que quer.
Então você
diz, “é, mas ele é rei, fulano é rico, cicrano é poderoso, ela é uma
celebridade”. Você também pode ser. Todo santo dia passamos por uma série de
pessoas que são exemplo de superação, e o principal: você talvez não possa se
tornar rei ou um político asquerosamente importante, mas você pode ser igual a
Jesus e nem precisa se esforçar tanto, muito menos sofrer agruras atrozes.
Pensemos a longo prazo; em que grau dirá ter valido a pena uma cantora de
sucesso, por exemplo, ao perceber que vendeu ou se utilizou do corpo, ou da
erotização incentivada na mídia para chamar atenção até emplacar sua carreira?
Um corrupto? Um colega traíra? Ele falou, “você pode fazer o que faço e ainda
mais”, (João 14:12) e nem precisa ser crucificado.
Nosso
problema é imaginar que manter-se bem materialmente é sinônimo de boa vida;
não. É preciso ralar, e se é assim, em algum momento preciso começar a aceitar
esse expediente – geralmente, ou aceita e dá a cara à tapa ou se transforma em
um covarde omisso; um comprometido comum.
Depois que o
camarada contou a história passei por perrengues inauditos, trabalhei sempre e
muito e cheguei até a estar bem materialmente, porém não consegui ali me
manter. Não posso dizer que não foi bom, mas afirmo com todas as letras que
assim que ampliamos nossa visão os caminhos se abrem.
De
um outro momento
Não
negligencie meu silêncio
Não
subestime minha passividade
Algumas
passividades não devem ser negligenciadas
“Nem
sempre meu silêncio
é
sinônimo de esquecimento”
O filme
Feitiço do tempo ensina:
“Todo dia é
um novo dia,
porém,
pare de
aproveitar-se disso e aproveite isso”.
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