sábado, 22 de maio de 2021

O acômodo do “podia ser pior”

 


Uma história contada por um adepto da Seicho-no-ie há algumas décadas me impressionou muito.



Não posso dizer se a coisa se deu por conta do local, da expectativa juvenil, do momento ou da situação bastante estranha para meu entendimento de iniciando, afinal o evento parecia que não tinha nada a ver com a doutrina japonesa.

Algumas passagens de nossas vidas, por maior que seja a audiência, pode que marque apenas você. Dezenas ouviram a mesma história; quantos dela ainda lembram? Aquele lance que dizíamos sempre antes da maturidade “parecia algo direcionado; que o cara estava falando diretamente para que eu escutasse”.



A lenda, hoje, é terrivelmente simplória, fazia referência às pessoas que têm posses e querem ainda mais, porém a medida que vão adquirindo um mínimo de consciência finalmente percebem que muitos a sua volta conseguem sobreviver com menos do que possuem e aproveitam a lição para reclamar menos ou até frear vontades meramente egóicas. O conto foi longo; iniciando as comparações a partir de um rico proprietário de aviões etc. a alguém que possuía somente carros de luxo que por sua vez observava um terceiro que vivia bem, conduzindo um carro do ano e assim foi até concluir com um passageiro de ônibus que observa pela janela alguém de chinelos que provavelmente não tem o suficiente para o ticket da passagem e ainda assim não parecia desesperado.

Como disse, há época, esta história impactou bastante.




Centenas de histórias depois e milhões de reflexões o conto desvelou, ou ampliou, os perigos que a passividade barata apregoa ao sujeito desatento.

E como atravesso essa ponte? Ou ainda pior; comprada a passagem e uma vez embarcado na inação do mais um; como desembarcar? Como obter a atenção devida para manter o equilíbrio para ponderar, analisar e avaliar para mais ou para menos o que vem embalado e pronto para nossa apreciação?


Atualmente, muitos anos depois do encontro, sou adepto a passividade ativa e há anos venho trabalhando e praticando este mantra; queremos tudo, porém buscamos pouco. E o que é a busca? O conhecimento. Preciso conhecer para querer, digo, o querer particular, porque antes preciso saber o que quero independentemente do que quer o externo no ou do que ele mostra ser o melhor; um melhor atávico, talvez arranjado, embrulhado para o entendimento comum, e somente decifrarei isso através de muito procurar. Sanado isso, por osmose atingimos a todos naturalmente.

Enquanto a atividade me impele ao querer, a passividade me recolhe à ponderação, à paciência, à espera ávida, porém relaxada, e a cada dia um pouco mais equilibrada no sentido de conscientemente descansada, no entanto, sempre atenta.





Esta semana observei que alguém assinalou sobre a naturalização da miséria no nosso país – pontuando uma realidade que não queremos aceitar. Não li o artigo, porém empresto aqui a expressão; o que temos transformado em natural em nossas vidas porque o externo tem mostrado que não há saída fácil?




É natural que muitos dos nossos filhos abandonem as escolas! Afinal, não está fácil manter o filho estudando. É natural então que a cada dia mais as pessoas vivam de biscates entrando obrigatoriamente para as estatísticas do Trabalho Informal!?! É natural ver a podridão da classe política!?! É natural o assédio, o racismo, a discriminação; bater na mulher, apanhar, beber, se drogar!?!



Mas eu não suporto a ar de arrogância dos patrões, diz um; o bullying dos colegas argumenta outro; o empurra-empurra das lotações etc. E não é melhor isso do que viver de favores, ser um estorvo ou pior, marginalizar-se de verdade?

Não há saída fácil fora do suportar.

Todos nós precisamos suportar. Todos.

Rico, celebridade, político, autoridade; todos estão a mercê de seus demônios. Não há um sequer nessa homogeneidade visível que tenha a soberania de seus atos, nem mesmo o rei; também ele não pode fazer o que quer.





Então você diz, “é, mas ele é rei, fulano é rico, cicrano é poderoso, ela é uma celebridade”. Você também pode ser. Todo santo dia passamos por uma série de pessoas que são exemplo de superação, e o principal: você talvez não possa se tornar rei ou um político asquerosamente importante, mas você pode ser igual a Jesus e nem precisa se esforçar tanto, muito menos sofrer agruras atrozes. Pensemos a longo prazo; em que grau dirá ter valido a pena uma cantora de sucesso, por exemplo, ao perceber que vendeu ou se utilizou do corpo, ou da erotização incentivada na mídia para chamar atenção até emplacar sua carreira? Um corrupto? Um colega traíra? Ele falou, “você pode fazer o que faço e ainda mais”, 
(João 14:12) e nem precisa ser crucificado.





Nosso problema é imaginar que manter-se bem materialmente é sinônimo de boa vida; não. É preciso ralar, e se é assim, em algum momento preciso começar a aceitar esse expediente – geralmente, ou aceita e dá a cara à tapa ou se transforma em um covarde omisso; um comprometido comum.




Depois que o camarada contou a história passei por perrengues inauditos, trabalhei sempre e muito e cheguei até a estar bem materialmente, porém não consegui ali me manter. Não posso dizer que não foi bom, mas afirmo com todas as letras que assim que ampliamos nossa visão os caminhos se abrem.


 


De um outro momento


Não negligencie meu silêncio

Não subestime minha passividade

Algumas passividades não devem ser negligenciadas

“Nem sempre meu silêncio

é sinônimo de esquecimento”

 







O filme Feitiço do tempo ensina:

“Todo dia é um novo dia,

porém,

pare de aproveitar-se disso e aproveite isso”.







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