Ao final do filme O
Exótico Hotel Marigold é possível concluir que aos personagens principais,
todos velhos, a única saída é entregar-se a movimentação caótica de uma cidade
do Rajasthan na Índia. Em síntese, aqui nascemos e somos obrigados ao existente
assim como os velhos chegam a um local com suas vontades e costumes, porém não
é possível que mudem nada, ou se adaptam ou fogem. No caso, uma única não se
adaptou, os demais não apenas o fizeram como tiveram suas vidas transformadas,
ou seja, aglutinaram o apreendido com o desconhecido, ampliando e aprimorando
vontades inseridos no mesmo caos absurdo inicial a sempre referenciada cultura inglesa.
Diferentemente de nós, que não sabemos nada de nada quando chegamos aqui; nossa
ancestralidade foi momentaneamente apagada e o mundo, qual mãe de inúmeras
tarefas, mostra algumas direções ao rebento, momentaneamente, desmemoriado; o
que, a cada século que passa, não é revelado, ou fica geração após geração
velado: é que, podemos sim acessar o que foi apagado com o renascimento, e que
isso é uma espécie de iluminação. Mas é preciso lutar muito, querer. Um querer
até então desconhecido; para acessá-lo acima das vontades que criaram para nós
durante toda uma vida.
Conquistar
determinado grau de conhecimento com respeito ao nosso existir é bastante
perigoso, ainda que todos, inexoravelmente, passaremos por isso, porque,
concomitante a isso é normal as responsabilidades concernentes e com elas a
necessidade de optar se se dedica ao avanço ou retorna ao estado anterior e o
transforma em seu último porto seguro em um sorvedouro inerte de vontades.
Se é raro é
caro - Atingir a percepção de não-controle expõe os membros desse grupo à
percepção clara de que o jogo das esferas invariavelmente chega amparado por certezas
inequívocas a esquecer alguns dos principais mecanismos ferrenhamente
defendidos até então; então como abandoná-los ao descobrir que tudo fez parte
de uma armação bem montada. Como aqueles andaimes de tubos utilizados para as
restaurações. Como entender que tudo, naquele instante, quando o indivíduo está
formado, consciente e precisa acreditar apenas em si, desmontar as amarras que
o levaram até este momento almejado?
A todo
instante, com um tempo maior com o passar do tempo, é inevitável que o material
escolar utilizado na última turma seja abandonado para a aquisição de livros e
cadernos mais sofisticados; quando isso não acontece, significa que estamos
repetindo etapas.
A boa
comunicação, a comunicação que evolui, precisa fazê-lo se restringindo. Com o
passar dos anos deve ser cada vez mais: comunicável a um número menor de
ouvintes; pois é fato que não há uma evolução coesa ao que busca libertar-se da
Roda de Samsara.
O Plano Terra
é também um Plano de Expiação, um Plano Laboratório, um Plano Estação, um Plano
Escola, didático, aberto e liberado a todos os tipos de experiências. A
diferença dos correspondentes a estas expressões é que de uma forma ou de outra
sabemos, muito por entendimento comum, o que significa “expiar”, “pesquisar”,
uma “parada de ônibus”, a “escola”, porque aprendemos através do “didatismo”
que aglutina nossas comunicações. Desvincular-se do aprendido, do didatismo
comum é tarefa difícil porque o mundo vem demonstrando/conduzindo às melhores
formas de escolhermos o que mantém um equilíbrio mínimo para que nossas vidas
se mantenham dentro destas opções orquestradas. Daí reaprender entendendo que
existem caminhos outros, “não permitidos”, “não aconselhados”, ainda que sãos,
ou melhor, oportunidades outras fora do que é considerado suficiente para o bem
viver de todos, irá exigir um empreendimento totalmente oposto ao caminhar
conjunto, no sentido de que todos poderão opinar sobre a nova escolha e essa
não é uma opção viável, afinal, a comunicação com o grupo não é mais possível.
Este caminhar
é silencioso e aqui ele difere dos dois grupos do início desse exercício,
quando utilizei a expressão “nicho”; fatia, porção, portanto, plural. Ao chegar
aqui o indivíduo se torna individual, quase único – ainda assim não se entende.
Ele verte, é expulsado das celeumas, salta do andaime, corta o cordão sem
imaginar se há algum anteparo, alguma base... e não há, não na forma que
conhecia. Agora ele se apegará ao tronco que encontrar - porém assim não
morrerá - até largar também esse. Agora já não há mais morte. O que morre a
partir daí, justamente, é o descanso eterno.
Quando bem
pensado, pensado com inteligência, pensado sem o que se sabe, pensado sem a
balburdia, pensado mesmo sem os ruídos da nossa cabeça, descobrimos que não
temos controle sobre nada – mas isso não é ruim, é importante que assim seja
até que... Não, digo, a sociedade não nos ensina como nos desligar dela; e nem
poderia. Somos diferentes do meio gerado: orgânico, maquinal, material; e a
matéria são moléculas que se transformam dando vida a outras moléculas, e isso
só temos agora, e ainda que isso possa parecer lindo e humano, é limitado.
Somos mais e podemos ser conectados no além matéria, poderemos um dia, TODOS,
dar o salto.
Quanto somos
obrigados a situações que não controlamos. Às leis, ao convencionado, às normas,
a química, física, matemática. E em meio a tudo; é preciso lidar com a
ignorância daqueles que não estão nem aí para essas e ainda menos para qualquer
um dos valores que insistimos em conservar.
Quanto temos
medo de mudanças que levarão a nos soltar, a aos poucos nos desprender - à
libertação para um devir aleatório, apenas conscientes de que estamos fazendo o
nosso melhor!?!
*
“... mas, as vezes, o que acontece é que é bom.
”
“Hotel
Marigold, Jaipur, nono dia. Os velhos hábitos se vão e adquirimos outros. Assim
que me levanto de manhã procuro pela Rádio 4. As notícias me chegam pelo Jaipur
Herald. Há pouco me acostumei ao ruído de buzinas e ambulantes. Haverá outro
lugar no mundo que assalte de tal forma os sentidos? Os que conhecem o país há
tempos, apenas cuidam de seus negócios. Mas nada pode preparar um recém-chegado
para esse escândalo de ruído e cor, para o calor o movimento, o constante
tumulto de gente. Sonny conduz seu próprio assalto aos nossos sentidos com
inúmeros pratos exóticos saídos da cozinha a cada dia. ‘Mooli moong dall’, ‘bagara
baigan’, ‘banjara gosht’, ‘paneer meehti chaman’, ‘mutton vindaloo’. No início,
você se assusta. Mas pouco a pouco percebe que é como uma onda. Resista, e você
cairá. Entre de cabeça, e sairá do outro lado. É um mundo novo e diferente. O
desafio é enfrentar. Não só enfrentar, mas seguir adiante. ”
– No filme O Exótico Hotel Marigold