segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Cortando na ilusória carne





 

“Não há como o homem “pronto” ser doutrinado se ele não for tocado radicalmente em seu brio, mesmo que este seja uma ilusão tida como porta estandarte e de nada lhe valha realmente.” [sic]

*

Inicialmente, antes de todo o processo de retorno, antes mesmo de compreender não apenas significativamente a possibilidade de entender-se também parte do Sagrado, o aluno precisa passar, vencer a rebentação do querer mundano; o visco da paixão que detém as amarras de seu estado prisioneiro. E para vencer esta rebentação, ele não tem muito mais além de suas minguadas convicções que, novas a ele, parecem estribadas também, em um pequeno grupo de ideias recentes repetidas por algumas pessoas que ainda lhe são estranhas – realmente é pouco.
É somente neste período que as secções serão sentidas, pois ainda há o vínculo com a grotesca matéria. Pouco sabe ele que apesar de sua importância, felizmente, está se tornando lição vencida, porém, a partir da rebentação, uma vez pleno do novo, nada, que o vincule a velha vida, será motivo de dúvida: uma vez consciente daquilo que deve ser abandonado – agora, definitivamente, não há mais sentido.

 “A paciência não existe para aquele que a possui.” Alguém disse isso e isto é comprovável quando estamos diante de uma pessoa que não carrega a preocupação do tempo ao esperar que a providência aja. Ele simplesmente vai existindo. É o que acontece também, quando estamos fazendo a passagem da consciência da grosseira matéria para o sutil; não há mais a preocupação com a perda, com o abandono, com o romper vínculos, - mesmo os de sangue - que à matéria pertence. 

Indubitavelmente, este estágio chegará à todos, - a tempo incontável para alguns; talvez seja por isso que fora da matéria não há tempo, foi uma forma encontrada por Deus para amenizar a espera – mas, (e talvez por isso) é preciso enfrentar o processo de cortar a carne ilusória, sentir na carne de material anímico as dores reais da iniciação, do batismo – nada de deitar na lagoinha amparado pelo pastor. Esta foi a forma que encontrei para fazer referência aos momentos difíceis pelos quais o verdadeiro buscador passa quanto das dúvidas iniciais, sobre suas decisões de abandonar o concreto ilusório - o mundo de ilusões até então tão possível -; e jogar-se definitivamente em direção ao Nada Real, mesmo que ainda, a única certeza que lhe resta é a incerteza de que está tomando a medida mais acertada.

Minha observação desta semana está focada no homem “pronto”. O homem pronto aqui é o adulto; bastante despreocupado com os sentidos da vida por estar confiavelmente sossegado com suas escolhas materiais de até então; quando, de um momento para outro começa a perceber que há algo que não encaixa e, embora não possa nem sequer imaginar esta possibilidade de desencaixe devido aos inumeráveis espécimes diferentes de orgulhos, verdades e certezas que lhe permeiam o pensamento, ainda assim, invisível, a “centelha pentelha”, que em algum momento do existir acomodado e passivo do homem insiste em enterrar ou ao menos roçar seu Agulhão do Despertar no sistema neural adormecido (entorpecido) faz – por saber o que faz – com que a pedra-no-sapato-da-alma: a consciência do compromisso; movimente-se e torne o ser de existir despreocupado em um homem um pouco mais atento com as tormentas que parecem estar troando mais próximo do claudicante casebre. Mas há algo novo agora, e é a centelha pentelha incitando mais próximo ao nervo. Porque até então não havia duvidas sobre a segurança da choça? Porque isso agora?

Por que não há fuga.

Não há como escapar do enfrentamento. Há formas de protelar o encontro. Adiar o inevitável; mas este choque, para nós seres humanos comuns é exatamente isto, é somente por esta ponte que deveremos transpor a matéria; a ilusão: enfrentar o desconhecido que há tanto tentamos negar.

Porque então existe esta revolta, esta tentativa de fuga desesperada tentando esconder-se de um algoz que não cansa, é paciente, e não conhece expressão alguma que remeta ao desistir? Isto acontece devido ao nosso distanciamento da Essência de Deus que nada mais é que o esquecimento, o abandono da nossa Centelha Divina; o contato jamais seccionável de nós com o Todo Sagrado. Não se trata então de um distanciamento, porque ela jamais se separa de nós. Esta pérola incômoda, que faz lembrar a história da ostra que não se sentido confortável por possuir algo que lhe dificultava os movimentos, quando suas amigas viviam tão bem, descobre que o motivo de seu infortúnio é na realidade um tesouro. Ela então esteve sempre presente, porém o distanciamento em busca de quimeras externas trouxe para dentro do receptáculo mente, informações interessantes de um mundo que deveria ter sido compartilhado com o arcabouço da centelha; mas houve o desencaixe. Algumas situações, poucas, inicialmente, contrastavam diretamente com as diretrizes da Centelha. Logo apareceram outras necessárias a adaptação e algumas que proporcionavam a mimetização do ser no novo ambiente. Uma série de outras oportunistas, e finalmente, as corrompíveis da ilusão escura que envolve, que entretém, que enreda ardilosamente, e ainda que sem um mando visível, retém e rouba a essência do ser que agora perdido, já esqueceu-se completamente que enterrado em seu mais puro íntimo, existe um pulsar paciente e imorredouro que, conectada ao seu cérebro e jamais desconectada do comando central do Todo, que sabe que o fastio daquele ambiente, cedo ou tarde se revelará como sempre o fez, e também para sempre será, e neste instante, ou nestes instantes, eles podem durar vidas... e assim, quando menos se espera... a centelha aguilhoa.

E, o homem “pronto”, que sempre se comportou como determinam os livros que revestem as fachadas das livrarias comerciais. Uma vez mais se sente desconfortável, e questiona o nada, e mais uma vez nada encontra além da necessidade de tocar definitivamente em seu brio e destruí-lo, e, para o Externo que Conhece e assiste incólume o princípio da derrocada e a abertura de um retorno definitivo à casa segura, assim permanece: pronto e relembrando que também houve sua obrigatória passagem pela rebentação, e, mesmo que sinta saudades de um ou outro instante do plano ilusão, apenas é agradecido por entender sua importância fugas frente ao Eterno.

043.g cqe