O que é a evolução,
realmente?
É
preciso respeitar o passado, porém é ainda mais correto entender que um grande
homem do passado continuaria o sendo hoje ao rever entendimentos que o tempo
obrigou à dispersão. Seria desrespeito a um valoroso cidadão, imaginá-lo ainda refém
de pensamentos que a evolução do pensamento descartou, ainda que esse descarte
tenha pavimentado o novo. O ter sido não necessariamente obriga à continuidade;
porém esta tudo deve ao que foi, e somente é, devido àquilo.
Ilustrando.
Voltaire possuía uma ideia contrária à oração; e ele não estava errado de tudo
à época. Afinal, se Deus é todo poderoso, para que Ele precisa de oração? Esse
parecia ser um de seus motes com relação às nossas súplicas segundo estudiosos
do eclético escritor.
O
patriarca de Ferney partia do princípio que tudo é imutável, então, se tudo é
assim, pronto, por que dirigir preces a Deus? E também, nós suplicamos a alguém
uma mudança, apenas se o entendemos dobrável, ou seja, em algumas situações,
quando solicitamos uma petição a nosso favor, entendemos que nosso argumento
vencerá o lado a ser convencido, ainda que nem mesmo nós disso estejamos.
Apesar da complexidade desta ideia, Voltaire acertadamente, porém não de forma
abrangente, entendia que, se confiássemos em Deus, e O entendêssemos como O Criador
Perfeito, não há nada a argumentar ou refutar Nele ou com Ele, através de
preces; e, por último, falava Voltaire, “façamos nosso dever para com Deus,
sejamos justos. Esta é a única oração verdadeira” – isso por si só é uma prece.
Então
por mais que fosse um homem adiante dos demais, não possuía, é natural, a clareza
com que podemos concatenar pensares para perceber que novas opiniões e conhecimentos
possam nos proporcionar uma razão mais acertada a respeito de temas em comum hoje.
Por exemplo, para estudiosos do assunto, é natural que a oração sirva mais ao
propósito de um mantra, isso por si só derrubaria por terra toda a argumentação
do pensador francês, porém não era possível que ele possuísse tal entendimento
no século XVIII. Precisamos entender também a quem o filósofo se referia,
poderia ele não estar falando de forma abrangente; ou clara, por motivos óbvios
sobre observações ou considerações sensíveis à época, mas enviando recados ao seu
entorno ordinário.
Conhecido
também por sua verve satírica, nem sempre é possível extrair e traduzir
pensamentos sérios de aforismos inteligentes e rasgadamente bem humorados, ou
como apontam seus biógrafos: sempre contrário ao establishment reinante; como
então decifra-lo a contento? Destarte, tanto é importante quanto sensato não
carregar nas medidas de um personagem tão distante. Seria muito melhor tê-lo,
respeitosamente, como um ser positivo, porém, jamais acreditá-lo uma mente que
continuaria retrógrada e anelada a sua era, tão disforme aos nossos avançados
tempos atuais – apesar de nossa visível contrariedade aos excessos dos novos
tempos.
Porém,
esse não é o ponto, nem nossa meta aqui pretende untar ainda mais um ser
repleto e merecedor de todas as coroas e honrarias; dos mais nobres perfumes
que possa nascer de uma escrita rasgadamente encomiástica, muito menos macular
em uma vírgula seu riquíssimo legado. Usamo-lo tão somente para ilustrar um
pensamento.
Encontramos
neste valoroso defensor da justiça a oportunidade de voltar a um de nossos
temas recorrentes; o receio, o medo que envolve alguns eruditos em rever
opiniões, ou, ao menos calar-se diante da evolução que destrói argumentos
ultrapassados.
O
que é condenável, voltamos a observar, e concede peso maior à torpeza; àqueles
que ainda assim agem. Quando preferem continuar seguindo ideias e construções
ultrapassadas como um salvo conduto; um aval retrogrado ao abraçar a defesa
real de uma tese atrofiada ainda que há muito tendesse a valores e princípios; no
intuito de mantê-la revigorada; quando sabe que, se abandoná-la terá que dispor
dos créditos falsamente acumulados. É certo que Voltaire, homem distinto e
apartado do pensamento comum, não manteria algumas de suas opiniões se
sobrevivesse aos tempos de hoje – vai longe aqui qualquer veia especulativa.
Afinal, as descobertas servem para isso, repensar conceitos e avançar. Porém
neste parágrafo o abandonamos, o deixamos de lado; não o misturando a qualquer
outra classe de gente.
A
verdadeira evolução não pode aceitar o que já foi superado; o obsoleto, como
lei. O erudito arcaico deve servir, no máximo, como uma ferramenta, no mais das
vezes, apenas como algo totalmente extinto, o exemplo a não seguir. Isso é
evolução, abandonar o que um dia foi. Respeitá-lo, sempre; aplicá-lo, não mais.
Era
preciso entender que, não é devido ao fato de que alguns dos nossos exemplares modelos
humanos, em seu tempo, defenderam determinadas ideias; que as manteriam para
sempre, porém é mais importante ainda, não nos deixarmos levar por pensamentos
sem a devida contextualização que o tempo obrigatoriamente cobra de nós a
mudança, e ainda menos, manter-se aliado a qualquer pensamento que dite o
contrário, para que não caiamos nesse fosso do, ruminar o velho; o arcaico, o, a
muitos, extinto. Para que isso não aconteça, precisamos exercitar nossa
inteligência.
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