sábado, 30 de maio de 2015

Pavimento sólido


O que é a evolução, realmente?

É preciso respeitar o passado, porém é ainda mais correto entender que um grande homem do passado continuaria o sendo hoje ao rever entendimentos que o tempo obrigou à dispersão. Seria desrespeito a um valoroso cidadão, imaginá-lo ainda refém de pensamentos que a evolução do pensamento descartou, ainda que esse descarte tenha pavimentado o novo. O ter sido não necessariamente obriga à continuidade; porém esta tudo deve ao que foi, e somente é, devido àquilo.

Ilustrando. Voltaire possuía uma ideia contrária à oração; e ele não estava errado de tudo à época. Afinal, se Deus é todo poderoso, para que Ele precisa de oração? Esse parecia ser um de seus motes com relação às nossas súplicas segundo estudiosos do eclético escritor.

O patriarca de Ferney partia do princípio que tudo é imutável, então, se tudo é assim, pronto, por que dirigir preces a Deus? E também, nós suplicamos a alguém uma mudança, apenas se o entendemos dobrável, ou seja, em algumas situações, quando solicitamos uma petição a nosso favor, entendemos que nosso argumento vencerá o lado a ser convencido, ainda que nem mesmo nós disso estejamos. Apesar da complexidade desta ideia, Voltaire acertadamente, porém não de forma abrangente, entendia que, se confiássemos em Deus, e O entendêssemos como O Criador Perfeito, não há nada a argumentar ou refutar Nele ou com Ele, através de preces; e, por último, falava Voltaire, “façamos nosso dever para com Deus, sejamos justos. Esta é a única oração verdadeira” – isso por si só é uma prece.

Então por mais que fosse um homem adiante dos demais, não possuía, é natural, a clareza com que podemos concatenar pensares para perceber que novas opiniões e conhecimentos possam nos proporcionar uma razão mais acertada a respeito de temas em comum hoje. Por exemplo, para estudiosos do assunto, é natural que a oração sirva mais ao propósito de um mantra, isso por si só derrubaria por terra toda a argumentação do pensador francês, porém não era possível que ele possuísse tal entendimento no século XVIII. Precisamos entender também a quem o filósofo se referia, poderia ele não estar falando de forma abrangente; ou clara, por motivos óbvios sobre observações ou considerações sensíveis à época, mas enviando recados ao seu entorno ordinário.

Conhecido também por sua verve satírica, nem sempre é possível extrair e traduzir pensamentos sérios de aforismos inteligentes e rasgadamente bem humorados, ou como apontam seus biógrafos: sempre contrário ao establishment reinante; como então decifra-lo a contento? Destarte, tanto é importante quanto sensato não carregar nas medidas de um personagem tão distante. Seria muito melhor tê-lo, respeitosamente, como um ser positivo, porém, jamais acreditá-lo uma mente que continuaria retrógrada e anelada a sua era, tão disforme aos nossos avançados tempos atuais – apesar de nossa visível contrariedade aos excessos dos novos tempos.
   
Porém, esse não é o ponto, nem nossa meta aqui pretende untar ainda mais um ser repleto e merecedor de todas as coroas e honrarias; dos mais nobres perfumes que possa nascer de uma escrita rasgadamente encomiástica, muito menos macular em uma vírgula seu riquíssimo legado. Usamo-lo tão somente para ilustrar um pensamento.

Encontramos neste valoroso defensor da justiça a oportunidade de voltar a um de nossos temas recorrentes; o receio, o medo que envolve alguns eruditos em rever opiniões, ou, ao menos calar-se diante da evolução que destrói argumentos ultrapassados.

O que é condenável, voltamos a observar, e concede peso maior à torpeza; àqueles que ainda assim agem. Quando preferem continuar seguindo ideias e construções ultrapassadas como um salvo conduto; um aval retrogrado ao abraçar a defesa real de uma tese atrofiada ainda que há muito tendesse a valores e princípios; no intuito de mantê-la revigorada; quando sabe que, se abandoná-la terá que dispor dos créditos falsamente acumulados. É certo que Voltaire, homem distinto e apartado do pensamento comum, não manteria algumas de suas opiniões se sobrevivesse aos tempos de hoje – vai longe aqui qualquer veia especulativa. Afinal, as descobertas servem para isso, repensar conceitos e avançar. Porém neste parágrafo o abandonamos, o deixamos de lado; não o misturando a qualquer outra classe de gente.

A verdadeira evolução não pode aceitar o que já foi superado; o obsoleto, como lei. O erudito arcaico deve servir, no máximo, como uma ferramenta, no mais das vezes, apenas como algo totalmente extinto, o exemplo a não seguir. Isso é evolução, abandonar o que um dia foi. Respeitá-lo, sempre; aplicá-lo, não mais.

Era preciso entender que, não é devido ao fato de que alguns dos nossos exemplares modelos humanos, em seu tempo, defenderam determinadas ideias; que as manteriam para sempre, porém é mais importante ainda, não nos deixarmos levar por pensamentos sem a devida contextualização que o tempo obrigatoriamente cobra de nós a mudança, e ainda menos, manter-se aliado a qualquer pensamento que dite o contrário, para que não caiamos nesse fosso do, ruminar o velho; o arcaico, o, a muitos, extinto. Para que isso não aconteça, precisamos exercitar nossa inteligência.


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