Ser humano hoje é coabitar em meio a
uma miscelânea de incompreensões e desentendimentos convictos de que ainda que
sejamos sufocados por dezenas de atribulações entendemos estar bem em um mundo
muito melhor do que o vivenciado por nossos antepassados.
*
Deparar-nos-íamos
em um absurdo estado de incongruências se nos comprometesse a imaginar como
seria a condição particular de cada indivíduo por mais imparcial e precisa que
fosse a forma encontrada para avalia-las. Como trabalham seus raciocínios nas
suas particularidades. Principalmente porque a cada dia menos resistimos na
singularidade ou existimos no individual, e também por conta do camuflar cada
vez mais obrigatório exigido para se manter minimamente conectado a comunidade.
A criatura totalmente despreparada está por sua conta e risco, afora alguns
meios abastados onde mantem-se provisoriamente protegida – o que significa somente vantagens pontuais.
São milhões
de partidos. Polarização de toda ordem. Familiar, profissional, de amizades; as
quais se formam a cada dia mais e novas e a todo instante: com exorbitantes
vantagens às virtuais.
Encontrar e
manter-se em algum tipo de zona de conforto, qualquer que seja que dê ao
sobrevivente segurança precária tornou-se uma vergonhosa condição obrigatória. Em
um futuro longínquo, é possível que aconteçam alguns estudos apontando que o
humano, o animal que desenvolveu as melhores ferramentas de adaptação, tenha
que assumir dois pontos maculares fortíssimos fundamentais consolidado em nosso
mapa evolutivo que ostentamos com tanto orgulho: que o homem obrigou-se à zonas estéreis onde se sente menos ameaçado não apenas por conta dos caminhos que o conduziram a ela, mas as
pesquisas descobrirão também que há um viés psicossocial aí inserido; como
nossos ancestrais encontraram soluções para sua sobrevivência sem o tino
adequado obviamente, também agora, descobrimos que a melhor forma de nos manter
minimamente sociáveis é agarrando-nos ao primeiro tronco que aparecer –
confinados às cavernas. Na outra ponta não seria de se admirar que os
escrutínios apontassem que o hereditário e perpétuo grupo administrador sabia o
tempo todo dessa deficiência e aproveitou-se a exaustão da vantagem
secularmente oportuna.
*
Alguns poucos
homens preocupados e atentos ao desenvolvimento asseveram que nunca o ser
humano como indivíduo esteve tão só, ao mesmo tempo em que jamais teve a noção
de fazer parte do mundo com tanta força e convicção. Acreditando que pode ser
alguém – quando não o é, e está muito longe disso -, que tenha seus valores
respeitados. Ter dignidade. Que é livre para gritar por suas vontades e
ideologias. No entanto o cordão umbilical com o mundo jamais esteve tão
esgarçado. Somente o indivíduo não sabe que está só e mais, em tempo algum
esteve tão só.
A
socialização vertiginosamente conversora conseguiu arrebanhar o indivíduo em
nichos religiosos, nichos imperceptivelmente viciantes que os mantêm
aficionados e dependentes. O que algumas percepções alcançam vez por outra e
não podem lutar contra é a prisão – de segurança psicológica máxima - a que
estão inseridos, mas a condição existencial se fechou a tal ponto que não é
possível o grito, o pedido de socorro – se se conjecturasse a mínima intenção.
A verdade é que ele nem é expressado; existe uma conivência filial, quase
sacralizada, uma espécie de sacerdócio à submissão em todas as instâncias e
graus.
Ser humano
hoje é não ser, é ser o externo. É ser um vários membros, isto é, fazer parte
de algo que ainda chamamos família - ou não, mais cedo do que nunca -, e daí
ser, tornar-se membro de inúmeras outras comunidades que nos mantém dentro de
um ciclo, uma espiral compreendida e compartilhada por todos como: estes são os
nossos tempos; e ainda que não pensemos nisso, pois não se pensa mais em nada
fora disso, associa-se com participações coadjuvantes - que assim entende,
afinal tudo é formatado para se ser o personagem principal - de amantes de toda
ordem a preencher os dias.
Em tempo.: Pá de cal
Grupos
alternativos - E sobre a obrigatoriedade de fazer parte de partidos outros,
alternativos, descolados, da hora; de filiar-se e se engajar e lutar contra o status quo; grupinhos, grupelhos e suas
tribos de revoltados. Não há a mínima possibilidade de se ser um ser só. Então
é preciso estar engajado, unido; do contrário você se torna uma espécie de
pária, de proscrito, esquisito – então é necessário estar muito bem resolvido
para segura essa onda. E enquanto estes autointitulados outsiders descolados - agitadores escolarizados - se revezam, se
multiplicam, se associam; não captam que são observados e se demoram a perceber
que também eles são permitidos – sua luta é assistida; seu engajamento é
monitorado.
Fazer parte
de um grupo que se autodenomina amotinados
tramps pode ser um estilo de vida, um instante de rebeldia bastante sadio;
ou a insistência continuada de se mostrar apenas um teimoso covarde e
inconsequente quando invariavelmente se está em verdade optando por fazer parte
de mais uma solução anódina lúdica encontrada para também passar os dias.
*
Em momento algum estivemos tão só –
inclusive, obrigados – e com tanto a nossa disposição para a derradeira e
inegociável introspecção, no entanto jamais estivemos tão dispersos, portanto tão longe do auspicioso recolhimento.
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