sábado, 29 de fevereiro de 2020

True Detective




As pessoas daqui; parecem não saber que existe um mundo lá fora. É como se vivessem numa porra de lua. Isto tudo é um gueto.

Há todo o tipo de gueto neste mundo.

Só existe um gueto; uma sarjeta gigante no espaço sideral.

Hoje, aquela cena do crime, foi a parada mais fodida que já peguei. 

Deixa eu te perguntar uma coisa; 
você é cristão, não é?

Não.

E aquele crucifixo no seu apartamento?

Eu uso como uma forma de meditação.

Como assim?

Eu contemplo o momento de Cristo no jardim, a ideia de permitir a sua própria crucificação.

Mas se você não é cristão, então acredita em que?

Acredito que não deve se falar dessas merdas no trabalho.

Espere aí! Espere aí! Estamos juntos há três meses e eu não sei nada a seu respeito. Hoje, aquele nosso caso, caramba. Me faz uma cortesia; não estou tentando te converter só...

Eu me considero realista, mas em termos filosóficos eu sou um grande "pessimista".

Tá bom e isso quer dizer o que?

Quer dizer que sou ruim em Festas.

Fica sabendo que você também não é muito bom fora delas.

Acho a consciência humana um erro trágico na evolução. Nos tornamos muito autoconscientes. Acho que a natureza criou um aspecto seu separado dela mesma. Uma criatura que não deveria existir pela lei da natureza.

Essa porra parece terrível, Rust.

Somos coisas que agem com a ilusão de ter um eu-próprio. Um acréscimo de experiência sensoriais e sentimentos, programados para todos pensarem que somos alguém quando na verdade todos somos ninguém.

Eu fosse você não espalharia essas merdas por aí. Ninguém pensa assim. Eu não penso assim.

A coisa mais honrada para nossa espécie é negar nossa programação. Parar de se reproduzir. Caminhar de mãos dadas até a extinção. Um último dia em... como irmãos e irmãs... conversando sobre um difícil acordo.

Então qual é o propósito de acordar toda manhã?

Eu tento me enganar, mas penso que é para ser testemunha de tudo, mas a verdadeira resposta é minha programação. Não tenho estrutura para cometer suicídio.

De todos os dias fui escolher hoje para te conhecer. Você não abriu a porra da boca durante três meses.

Você perguntou.

Agora estou implorando para você cale a boca.

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Cara... Aquele lugar... Eu nunca...

Me fez lembrar do meu pai falando do Vietnam; da selva.

Falar sobre o que aconteceu lá não vai resolver nada agora...

...Isso. É disso que estou falando.
É isso que quero dizer quando falo de tempo, morte e futilidade.

Porque os pensamentos ecoam no trabalho sobre tudo, sobre quanto devemos uns aos outros. Principalmente sobre o que é aceito por nós como sociedade e quanto as nossas ilusões mútuas.
Quatorze horas seguidas a olhar para cadáveres é nisso o que se pensa.

Já fizeram isso?

Olhamos para os olhos deles, mesmo numa foto. Não interessa se estão mortos ou vivos, conseguimos ler neles; e sabem o que vemos? Eles aceitaram bem a morte. Não de início, mas no último momento. É um alívio evidente porque estavam com medo. E agora eles viram, pela primeira vez, como era fácil simplesmente desistir. Viram, nesse nano segundo de consciência, o que eram. Que nós próprios, todo esse grande drama não passa de uma presunção e uma vontade estúpida. Que podiam deixar-se ir. Percebem finalmente que não precisavam se agarrar tão firme para entender, para compreender que toda a vida, todo o amor e ódio, recordações e dor eram a mesma coisa. Tudo um sonho. Tudo um mesmo sonho que tiveram dentro da Caixa Fechada. 

Um sonho sobre ser uma pessoa.

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*




O complexo Terra, obviamente, pode ser também assim observado; como uma “sarjeta gigante”. É normal que todos os seus locatários com um mínimo de intelecto estimulem a liberdade da criação; da criatividade de expressar. E ainda que esta admirável esfera possua ilhas, bolsões, nichos nas formas mais exuberantes de cores e vidas onde algumas poucas são insalubres e outras de natureza estéril; é certo que, paradoxalmente, assistimos em todos estes outros locais a cada virada de tempo, regiões que surpreendem em graus de hostilidade, um despautério, afinal foram pretensamente organizados exatamente para torná-los habitáveis a estes inquilinos, onde, antagonicamente a maioria destes reservados a vida pensada vêm se tornando um caos por conta destes mesmos habitantes que há muito se entendem racionais.


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