As
pessoas daqui; parecem não saber que existe um mundo lá fora. É como se
vivessem numa porra de lua. Isto tudo é um gueto.
Há
todo o tipo de gueto neste mundo.
Só
existe um gueto; uma sarjeta gigante no espaço sideral.
Hoje,
aquela cena do crime, foi a parada mais fodida que já peguei.
Deixa eu te perguntar uma coisa;
você é cristão, não é?
Deixa eu te perguntar uma coisa;
você é cristão, não é?
Não.
E
aquele crucifixo no seu apartamento?
Eu
uso como uma forma de meditação.
Como
assim?
Eu
contemplo o momento de Cristo no jardim, a ideia de permitir a sua própria crucificação.
Mas
se você não é cristão, então acredita em que?
Acredito
que não deve se falar dessas merdas no trabalho.
Espere
aí! Espere aí! Estamos juntos há três meses e eu não sei nada a seu respeito.
Hoje, aquele nosso caso, caramba. Me faz uma cortesia; não estou tentando te
converter só...
Eu
me considero realista, mas em termos filosóficos eu sou um grande
"pessimista".
Tá
bom e isso quer dizer o que?
Quer
dizer que sou ruim em Festas.
Fica
sabendo que você também não é muito bom fora delas.
Acho
a consciência humana um erro trágico na evolução. Nos tornamos muito autoconscientes.
Acho que a natureza criou um aspecto seu separado dela mesma. Uma criatura que não
deveria existir pela lei da natureza.
Essa
porra parece terrível, Rust.
Somos
coisas que agem com a ilusão de ter um eu-próprio. Um acréscimo de experiência
sensoriais e sentimentos, programados para todos pensarem que somos alguém
quando na verdade todos somos ninguém.
Eu
fosse você não espalharia essas merdas por aí. Ninguém pensa assim. Eu não
penso assim.
A
coisa mais honrada para nossa espécie é negar nossa programação. Parar de se
reproduzir. Caminhar de mãos dadas até a extinção. Um último dia em... como
irmãos e irmãs... conversando sobre um difícil acordo.
Então
qual é o propósito de acordar toda manhã?
Eu
tento me enganar, mas penso que é para ser testemunha de tudo, mas a verdadeira
resposta é minha programação. Não tenho estrutura para cometer suicídio.
De
todos os dias fui escolher hoje para te conhecer. Você não abriu a porra da
boca durante três meses.
Você
perguntou.
Agora
estou implorando para você cale a boca.
t01 e01
Me
fez lembrar do meu pai falando do Vietnam; da selva.
Falar
sobre o que aconteceu lá não vai resolver nada agora...
...Isso.
É disso que estou falando.
É
isso que quero dizer quando falo de tempo, morte e futilidade.
Porque
os pensamentos ecoam no trabalho sobre tudo, sobre quanto devemos uns aos
outros. Principalmente sobre o que é aceito por nós como sociedade e quanto as
nossas ilusões mútuas.
Quatorze
horas seguidas a olhar para cadáveres é nisso o que se pensa.
Já
fizeram isso?
Olhamos
para os olhos deles, mesmo numa foto. Não interessa se estão mortos ou vivos, conseguimos
ler neles; e sabem o que vemos? Eles aceitaram bem a morte. Não de início, mas
no último momento. É um alívio evidente porque estavam com medo. E agora eles viram,
pela primeira vez, como era fácil simplesmente desistir. Viram, nesse nano
segundo de consciência, o que eram. Que nós próprios, todo esse grande drama
não passa de uma presunção e uma vontade estúpida. Que podiam deixar-se ir.
Percebem finalmente que não precisavam se agarrar tão firme para entender, para
compreender que toda a vida, todo o amor e ódio, recordações e dor eram a mesma
coisa. Tudo um sonho. Tudo um mesmo sonho que tiveram dentro da Caixa Fechada.
Um sonho sobre ser uma pessoa.
t01 e03
*
O complexo Terra, obviamente, pode ser também assim
observado; como uma “sarjeta gigante”. É normal que todos os seus locatários com
um mínimo de intelecto estimulem a liberdade da criação; da criatividade de
expressar. E ainda que esta admirável esfera possua ilhas, bolsões, nichos nas formas
mais exuberantes de cores e vidas onde algumas poucas são insalubres e outras
de natureza estéril; é certo que, paradoxalmente, assistimos em todos estes
outros locais a cada virada de tempo, regiões que surpreendem em graus de hostilidade,
um despautério, afinal foram pretensamente organizados exatamente para
torná-los habitáveis a estes inquilinos, onde, antagonicamente a maioria destes
reservados a vida pensada vêm se tornando um caos por conta destes mesmos habitantes
que há muito se entendem racionais.
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