A nota na
primeira página de determinado semanário revela que uma palestrante recebe das empresas até 20
mil por seção para ensinar funcionários a ser feliz.
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Se a intenção é valor econômico ao decidir-se por uma carreira é dinheiro que você terá, jamais, felicidade.
No livro A
Arte da Felicidade de
Sua
Santidade, o Dalai Lama e Howard C. Cutler:
Acabei tendo a oportunidade de
examinar suas opiniões em maior profundidade em encontros diários
com ele durante sua estada no Arizona e, dando continuidade a essas
conversas, em outras mais longas na sua casa na Índia. Enquanto trocávamos ideias,
logo descobri que havia alguns obstáculos a superar no esforço para
harmonizar nossas perspectivas diferentes: a dele a de um monge
budista, a minha a de um psiquiatra ocidental. Comecei uma das nossas
primeiras sessões, por exemplo, propondo-lhe certos problemas
humanos comuns, que ilustrei com alguns relatos cansativos sobre casos
reais. Depois de descrever Itma mulher que persistia em comportamentos
autodestrutivos apesar do tremendo impacto negativo sobre sua vida,
perguntei-lhe se ele teria uma explicação para esse comportamento e que conselho poderia
oferecer. Fiquei pasmo quando, depois de uma longa pausa para reflexão,
ele simplesmente disse que não sabia e, dando de ombros, soltou uma
risada afável.
Ao perceber meu ar de surpresa e
decepção por não receber uma resposta mais concreta, o Dalai-Lama
explicou:
— Às vezes é muito difícil explicar
por que as pessoas fazem o que fazem... Com frequência, a conclusão
é que não há explicações simples. Se entrássemos nos detalhes da vida de
cada indivíduo, tendo em vista como a mente do ser humano é tão complexa,
seria muito difícil compreender o que está acontecendo, o que ocorre
exatamente.
Achei que ele estava usando
evasivas.
— Mas, na qualidade de
psicoterapeuta, minha função é descobrir os motivos pelos quais as pessoas fazem
o que fazem...
Mais uma vez, ele caiu naquela
risada que muitas pessoas consideram extraordinária — um riso impregnado
de humor e boa vontade, sem afetação, sem constrangimento, que
começa com uma ressonância grave e, sem esforço, sobe algumas oitavas
para terminar num tom agudo de prazer.
— Seria uma tarefa impossível! Do ponto de vista
do budismo, são muitos os fatores que contribuem para um dado
acontecimento ou situação... Na realidade, pode haver tantos fatores em jogo que às
vezes é possível que nunca se tenha uma explicação completa para o que
está acontecendo, pelo menos não em termos convencionais.
Ao perceber uma certa perturbação de
minha parte, ele prosseguiu com suas observações.
— No esforço de determinar a origem
dos problemas de cada um, parece que a abordagem ocidental
difere sob muitos aspectos do enfoque budista. Subjacente a todas as
variedades de análise ocidental, há suma tendência racionalista muito forte,
um pressuposto de que tudo pode ser explicado. E ainda por cima existem
restrições decorrentes de certas premissas tidas como ilíquidas e
certas. Por exemplo, eu recentemente me reuni com alguns médicos numa
faculdade de medicina. Estavam falando sobre o cérebro e afirmaram que os
pensamentos e os sentimentos resultam de diferentes reações e alterações
químicas no cérebro. Por isso, propus uma pergunta. É possível conceber a sequência
inversa, na qual o pensamento dê ensejo à sequência de
ocorrências químicas no cérebro?
Mas a parte que considerei mais
interessante foi a resposta dada pelo cientista. “Partimos da premissa de
que todos os pensamentos são produtos ou funções de reações químicas no
cérebro.” Quer dizer que se trata simplesmente de uma espécie de
rigidez, uma decisão de não questionar o próprio modo de pensar.
Ficou calado por um instante e
depois prosseguiu.
— Creio que na sociedade ocidental
moderna parece haver um forte condicionamento cultural baseado na
ciência. No entanto, em alguns casos, as premissas e os parâmetros básicos
apresentados pela ciência ocidental podem limitar sua capacidade para
lidar com certas realidades. Por exemplo, vocês sofrem as limitações
da ideia de que tudo pode ser explicado dentro da estrutura de uma
única vida; e ainda associam a isso a noção de que tudo pode e deve ser
explicado e justificado. Porém, quando deparam com fenômenos que não
conseguem explicar, cria-se uma espécie de tensão. É quase uma sensação de
agonia.
Muito embora eu percebesse que havia
alguma verdade no que ele dizia, de início considerei difícil
aceitar suas palavras.
— Bem, na psicologia ocidental,
quando deparamos com comportamentos humanos que na
superfície são difíceis de explicar, temos algumas abordagens que podemos
utilizar para entender o que está ocorrendo. Por exemplo, a ideia do
aspecto inconsciente ou subconsciente da mente tem um papel de destaque.
Para nós, às vezes, o comportamento pode resultar de processos
psicológicos dos quais não estamos conscientes. Por exemplo, poderíamos agir de uma
determinada forma a fim de evitar um medo oculto. Sem que percebamos,
certos comportamentos podem ser motivados pelo desejo de impedir que
esses temores venham à tona no consciente, para que não tenhamos de
sentir o mal-estar associado a eles.
O Dalai-Lama refletiu por um
instante antes de responder.
— No budismo, existe a ideia de
disposições e registros deixados por certos tipos de experiência, o que é
meio parecido com a noção do inconsciente na psicologia
ocidental. Por exemplo, um determinado tipo de acontecimento pode ter ocorrido num
período anterior na sua vida e ter deixado um registro muito forte na
sua mente, registro este que pode permanecer oculto e mais tarde
afetar seu comportamento. Portanto, há essa ideia de algo que pode ser
inconsciente: registros dos quais a pessoa pode nem ter consciência. Seja como
for, creio que o budismo tem como aceitar muitos dos fatores que os
teóricos ocidentais podem apresentar, mas a esses ele somaria outros fatores.
Por exemplo, ele acrescentaria o condicionamento e os registros de
vidas passadas. Já na psicologia ocidental há na minha opinião uma
tendência a superestimar o papel do inconsciente na procura das origens
dos problemas de cada um. A meu ver, isso deriva de alguns pressupostos
básicos a partir dos quais a psicologia ocidental opera. Por exemplo, ela
não aceita a ideia de que registros possam ser herdados de uma vida
passada. E ao mesmo tempo há um pressuposto de que tudo deve ser
explicado dentro do período desta vida. Assim, quando não se consegue
explicar o que está provocando certos
comportamentos ou problemas, a
tendência é sempre atribuir o motivo ao inconsciente. É mais ou menos como
se a pessoa tivesse perdido algum
objeto e decidisse que esse objeto
estaria nesta sala. E, uma vez que se tenha tomado essa decisão, já se
fixaram os parâmetros. Já se excluiu a possibilidade de o objeto estar fora
daqui ou em outro aposento. Com isso, a pessoa não para de procurar, mas
não encontra nada. E, mesmo assim, continua a pressupor que o objeto
ainda esteja escondido em algum lugar neste recinto!"
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