sábado, 5 de outubro de 2019

Carreiras e correrias





A nota na primeira página de determinado semanário revela que uma palestrante recebe das empresas até 20 mil por seção para ensinar funcionários a ser feliz.


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Se a intenção é valor econômico ao decidir-se por uma carreira é dinheiro que você terá, jamais, felicidade.







No livro A Arte da Felicidade de
Sua Santidade, o Dalai Lama e Howard C. Cutler:


Acabei tendo a oportunidade de examinar suas opiniões em maior profundidade em encontros diários com ele durante sua estada no Arizona e, dando continuidade a essas conversas, em outras mais longas na sua casa na Índia. Enquanto trocávamos ideias, logo descobri que havia alguns obstáculos a superar no esforço para harmonizar nossas perspectivas diferentes: a dele a de um monge budista, a minha a de um psiquiatra ocidental. Comecei uma das nossas primeiras sessões, por exemplo, propondo-lhe certos problemas humanos comuns, que ilustrei com alguns relatos cansativos sobre casos reais. Depois de descrever Itma mulher que persistia em comportamentos autodestrutivos apesar do tremendo impacto negativo sobre sua vida, perguntei-lhe se ele teria uma explicação para esse comportamento e que conselho poderia oferecer. Fiquei pasmo quando, depois de uma longa pausa para reflexão, ele simplesmente disse que não sabia e, dando de ombros, soltou uma risada afável.

Ao perceber meu ar de surpresa e decepção por não receber uma resposta mais concreta, o Dalai-Lama explicou:

— Às vezes é muito difícil explicar por que as pessoas fazem o que fazem... Com frequência, a conclusão é que não há explicações simples. Se entrássemos nos detalhes da vida de cada indivíduo, tendo em vista como a mente do ser humano é tão complexa, seria muito difícil compreender o que está acontecendo, o que ocorre exatamente.

Achei que ele estava usando evasivas.

— Mas, na qualidade de psicoterapeuta, minha função é descobrir os motivos pelos quais as pessoas fazem o que fazem...

Mais uma vez, ele caiu naquela risada que muitas pessoas consideram extraordinária — um riso impregnado de humor e boa vontade, sem afetação, sem constrangimento, que começa com uma ressonância grave e, sem esforço, sobe algumas oitavas para terminar num tom agudo de prazer.





— Considero extremamente difícil tentar descobrir como funciona a mente de cinco bilhões de pessoas — disse ele, ainda rindo. 

— Seria uma tarefa impossível! Do ponto de vista do budismo, são muitos os fatores que contribuem para um dado acontecimento ou situação... Na realidade, pode haver tantos fatores em jogo que às vezes é possível que nunca se tenha uma explicação completa para o que está acontecendo, pelo menos não em termos convencionais.

Ao perceber uma certa perturbação de minha parte, ele prosseguiu com suas observações.

— No esforço de determinar a origem dos problemas de cada um, parece que a abordagem ocidental difere sob muitos aspectos do enfoque budista. Subjacente a todas as variedades de análise ocidental, há suma tendência racionalista muito forte, um pressuposto de que tudo pode ser explicado. E ainda por cima existem restrições decorrentes de certas premissas tidas como ilíquidas e certas. Por exemplo, eu recentemente me reuni com alguns médicos numa faculdade de medicina. Estavam falando sobre o cérebro e afirmaram que os pensamentos e os sentimentos resultam de diferentes reações e alterações químicas no cérebro. Por isso, propus uma pergunta. É possível conceber a sequência inversa, na qual o pensamento dê ensejo à sequência de ocorrências químicas no cérebro?
Mas a parte que considerei mais interessante foi a resposta dada pelo cientista. “Partimos da premissa de que todos os pensamentos são produtos ou funções de reações químicas no cérebro.” Quer dizer que se trata simplesmente de uma espécie de rigidez, uma decisão de não questionar o próprio modo de pensar.

Ficou calado por um instante e depois prosseguiu.

— Creio que na sociedade ocidental moderna parece haver um forte condicionamento cultural baseado na ciência. No entanto, em alguns casos, as premissas e os parâmetros básicos apresentados pela ciência ocidental podem limitar sua capacidade para lidar com certas realidades. Por exemplo, vocês sofrem as limitações da ideia de que tudo pode ser explicado dentro da estrutura de uma única vida; e ainda associam a isso a noção de que tudo pode e deve ser explicado e justificado. Porém, quando deparam com fenômenos que não conseguem explicar, cria-se uma espécie de tensão. É quase uma sensação de agonia.

Muito embora eu percebesse que havia alguma verdade no que ele dizia, de início considerei difícil aceitar suas palavras.

— Bem, na psicologia ocidental, quando deparamos com comportamentos humanos que na superfície são difíceis de explicar, temos algumas abordagens que podemos utilizar para entender o que está ocorrendo. Por exemplo, a ideia do aspecto inconsciente ou subconsciente da mente tem um papel de destaque. Para nós, às vezes, o comportamento pode resultar de processos psicológicos dos quais não estamos conscientes. Por exemplo, poderíamos agir de uma determinada forma a fim de evitar um medo oculto. Sem que percebamos, certos comportamentos podem ser motivados pelo desejo de impedir que esses temores venham à tona no consciente, para que não tenhamos de sentir o mal-estar associado a eles.

O Dalai-Lama refletiu por um instante antes de responder.

— No budismo, existe a ideia de disposições e registros deixados por certos tipos de experiência, o que é meio parecido com a noção do inconsciente na psicologia ocidental. Por exemplo, um determinado tipo de acontecimento pode ter ocorrido num período anterior na sua vida e ter deixado um registro muito forte na sua mente, registro este que pode permanecer oculto e mais tarde afetar seu comportamento. Portanto, há essa ideia de algo que pode ser inconsciente: registros dos quais a pessoa pode nem ter consciência. Seja como for, creio que o budismo tem como aceitar muitos dos fatores que os teóricos ocidentais podem apresentar, mas a esses ele somaria outros fatores. Por exemplo, ele acrescentaria o condicionamento e os registros de vidas passadas. Já na psicologia ocidental há na minha opinião uma tendência a superestimar o papel do inconsciente na procura das origens dos problemas de cada um. A meu ver, isso deriva de alguns pressupostos básicos a partir dos quais a psicologia ocidental opera. Por exemplo, ela não aceita a ideia de que registros possam ser herdados de uma vida passada. E ao mesmo tempo há um pressuposto de que tudo deve ser explicado dentro do período desta vida. Assim, quando não se consegue explicar o que está provocando certos
comportamentos ou problemas, a tendência é sempre atribuir o motivo ao inconsciente. É mais ou menos como se a pessoa tivesse perdido algum
objeto e decidisse que esse objeto estaria nesta sala. E, uma vez que se tenha tomado essa decisão, já se fixaram os parâmetros. Já se excluiu a possibilidade de o objeto estar fora daqui ou em outro aposento. Com isso, a pessoa não para de procurar, mas não encontra nada. E, mesmo assim, continua a pressupor que o objeto ainda esteja escondido em algum lugar neste recinto!"

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