sábado, 26 de setembro de 2015

Ode a Nietzsche VII



"Cada pessoa tem que escolher quanta verdade consegue suportar"

Da pretensão e do que é II

Mas, objetarão, ele não deve ser um pensador, mas no máximo um repensador e pós-pensador, e antes de tudo um conhecedor erudito de todos os pensadores anteriores; dos quais sempre poderá contar algo que seus alunos não sabiam. – Está é precisamente a terceira concessão altamente perigosa da filosofia ao Estado, quando ela se compromete com ele a fazer, em primeiro lugar e principalmente, o papel de erudição. Antes de tudo, como conhecimento da história de filosofia: enquanto para o gênio que olha para as coisas puramente e com amor, semelhante ao poeta, e quer sempre penetrar nelas mais e mais profundamente, resolver inúmeras opiniões alheias e pervertidas está a ponto de ser a ocupação mais repelente e inoportuna. A história erudita do passado nunca foi a ocupação de um filósofo verdadeiro, nem na Índia nem na Grécia; e um professor de filosofia, se se ocupa com trabalho dessa espécie, tem de aceitar que se diga dele, no melhor dos casos: é um competente filólogo, antiquário, conhecedor de línguas, historiador – mas nunca: é um filósofo. E isso apenas no melhor dos casos, como foi observado; pois, diante da maioria dos trabalhos de erudição feitos por filósofos universitários, um filólogo tem o sentimento de que são mal feitos por rigor científico e o mais das vezes detestavelmente fastidiosos. Quem, por exemplo, salvará a história da filosofia grega do vapor soporífero que os trabalhos eruditos, mas não muito científicos e infelizmente muito fastidiosos, de Ritter, Brandi e Zeller espalharam sobre ela? Eu, pelo menos, prefiro ler Diógenes Laércio do que Zeller, porque naquele, pelo menos, o espírito dos filósofos antigos está vivo, mas neste, nem esse nem qualquer outro espírito. E, por fim, em que nesse mundo importa a nossos jovens a história da filosofia? Será que eles devem, pela confusão das opiniões, ser desencorajados de terem opiniões? Será que devem ser ensinados a participar do coro de júbilo: como chegamos tão esplendidamente longe?  Será que, porventura, devem aprender a odiar ou desprezar a filosofia? Quase se poderia pensar esse último, quando se sabe como os estudantes têm de se martirizar por conta de suas provas de filosofia, para imprimir as ideias mais malucas e de captar, em seu pobre cérebro. A única crítica de uma filosofia que é possível e que além disso demonstra algo, ou seja, ensaiar se se pode viver segundo ela, nunca foi ensinada em universidades: mas sempre a crítica de palavras com palavras. E agora pense-se em uma cabeça juvenil, sem muita experiência da vida, em que cinquenta sistemas em palavras e cinquenta críticas desses sistemas são guardados juntos e misturados – que aridez, que selvageria, que escárnio, quando se trata de uma educação para a filosofia! Mas, de fato, todos reconhecem que não se educa para ela, mas para uma prova de filosofia: cujo resultado, sabidamente e de hábito, é que quem sai dessa prova – ai, dessa provação! – confessa a si mesmo com um profundo suspiro: “Graças a Deus que não sou filósofo, mas cristão e cidadão do meu Estado!”.

E se esse suspiro profundo fosse justamente o propósito do Estado, e a “educação para a filosofia”, em vez de conduzir a ela, servisse somente para afastar da filosofia?


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