"O
idealista é incorrigível: se é expulso do seu céu, faz um ideal do seu
inferno."
Os crentes
e sua necessidade de crença
(...) A crença é sempre desejada com a máxima
avidez, é mais urgentemente necessária onde falta vontade: pois é a vontade,
como emoção do mundo, o sinal distintivo de autodomínio e força. Isto é, quanto
menos alguém sabe mandar, mais avidamente deseja alguém que mande, que mande
com rigor, um Deus, um príncipe, uma classe, um médico, um confessor, um dogma,
uma consciência partidária. De onde talvez se pudesse concluir que as duas
religiões universais, o budismo e o cristianismo, poderiam ter tido a razão de
seu surgimento, sobretudo de sua súbita propagação, em um descomunal adoecimento
da vontade. E assim foi na verdade: ambas as religiões encontraram um desejo
que, pelo adoecimento da vontade, se acumular
até a insensatez e chegava até o desespero, o desejo de um “tu deves”; ambas as
religiões foram mestras de fanatismo em tempos de adormecimento da vontade e
com isso ofereciam a inúmeros um
amparo, uma nova possibilidade de querer, uma fruição do querer. O fanatismo é,
com efeito, a única “força de vontade” a que também se podem levar os fracos e
inseguros, como uma espécie de hipnotização de todo o sistema
sensório-intelectual em favor da superabundante nutrição (hipertrofia) de um
único ponto de vista e de sentimento, que doravante domina – o cristão chama-o
sua crença. Onde o homem chega à convicção fundamental de que é preciso que
mandem nele, ele se torna “crente”; inversamente, seria pensável um prazer e
força da autodeterminação, uma liberdade da vontade, em que um espírito se
despede de toda crença, de todo desejo de certeza, exercitado, como ele está, em poder manter-se sobre leves cordas e
possibilidades, e mesmo diante de abismos dançar ainda. Um tal espírito seria o
espírito livre par excellence.
040.j cqe