sábado, 31 de agosto de 2024

Marginais

 








Esta cidade é muito grande

Ela me engoliu vivo

Hoje resisto entre suas entranhas

Circulando por suas vias entre plástico e papelão

Pequeno

Desapareço por entre os cinzas enegrecidos pela fuligem

O #MonstroSist a pariu por algum dos seus orifícios fétidos

Nem mesmo minha alma consegue daqui se ausentar

Estes tijolos esfumaçados são minha cela eterna

Os rabiscos nas paredes me contam histórias

Hieróglifos indecifráveis retratam o cotidiano sádico

Lendas de presos que estão igualmente sendo esfolados vivos

A risadas fazem eco

Entre buzinas e sirenes que carregam seus moribundos

Pontes que não passam

“Aí mano, passe o éter”

Nas filas apinhadas dos sopões jazem outros zumbis

Suas bocas negras engoliram sorrisos para sempre

O marfim deu lugar ao esmalte enxofre

Escuras gengivas afloradas esmagam as batatas

Assim como foram outrora, suas ideias

Meu grito insano não assusta ninguém

Tornados invisíveis como os vermes aos grandes olhos

Não nos aplicam venenos se nos mantemos na fila

Quietos, nossas faces encardidas são aturadas

Uma paulada aqui e mais um sapo engolido ali

Acuados sob o cassetete de iguais que se venderam

#doutor, padre ou policial segurando as pontas

#é preciso ser ligeiro senão cai onde estou

Na humildade

Agradecido na fila do ônibus

“Meu filho, tem gente que nem isso tem, agradeça”

O retorno é difícil e avançar é uma luta inglória

Estacionado entre a vida e a morte

Esta cidade é muito grande

Ela me engoliu e não faço ideia do que fazer

Cai a noite

Inimiga involuntária

Mudam os olhares de rejeição

Ainda que pouco veem

Risadas embriagadas parecem amistosas

Adolescentes bêbados são os piores

Achando que viveram #tudo o que há pra viver

No entanto, fique na sua

Crimes são mais propícios na penumbra

Albergue apinhado

Resta a pútrida calçada cheirando a urina

Nos acostumamos fácil ao que é ruim

Não ao que é bom

Sempre queremos mais

Quando possuímos, nada é suficiente

“Levanta”

Um chute

Não é outro pesadelo

“Estamos abrindo”

Já não temos ideia do que basta

Há sempre um abismo maior a encarar

Aguentamos muito mais do que aqueles que acreditam nada mais suportar

Esta cidade é muito grande


Da série; Calle



#Monstro Sist — Termo utilizado por Raul Seixas também na música, As Aventuras de Raul Seixas Na Cidade de Thor.

#Senhor padre ou policial — Termos utilizados por Raul Seixas na música Ouro de tolo; “E você ainda acredita que é um doutor, padre ou policial que está contribuindo com sua parte para o nosso belo quadro social”.

#É preciso ser ligeiro pra não cair onde estou — Trecho da música Dorobo cantada por Sabotage; “Dorobo, tem que ser ligeiro se não cai, onde estou”.

#Tudo o que há pra viver — Trecho da música Tempos modernos de Lulu Santos; “Vamos viver tudo que há pra viver”.


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