Preservamos o carro imaculado, a casa. Não doamos ou
emprestamos uma peça de roupa insubstituível, um bem estimado. Defendemos uma
amizade, uma companhia; sem saber exatamente se ela merece toda a confiança
depositada. Rezamos à alma, ao espírito, - também aqueles que não duvidam da
comprovação de sua existência para além do agora; conscientes, portanto, que
teremos oportunidades outras de resolver negócios pendentes, mesmo nos milhares
de casos onde a ordem é desrespeitada - porém, ainda que perecível e mesmo
mortal, o inigualavelmente precioso veículo posto a nossa disposição e aquele
que mais depende das nossas vontades, sempre obrigado a seguir exclusivamente as
nossas escolhas para vencer bem ou mal sua perecividade; uma máquina precisa a
nossa disposição, com falhas ou não: o corpo simplesmente nos foi dado, - ou
para os darwinianos evoluiu primorosamente - portanto, a despeito de tudo: é
nosso maior patrimônio e, no entanto, tão obrigado quanto impossibilitado de
responder as nossas vontades para com ele devido justamente ao contrassenso com
que é tratado, segue a revelia seu ofício, porém, esquecido.
Independentemente tanto da sua quanto da nossa condição.
Único; é o condutor, o invólucro, o veículo que possibilita, tornando-o,
obviamente, co-partícipe incondicional do nosso desenvolvimento na Terra.
Fabricado com perfeição, se mostra ainda mais, a despeito de todo o nosso relaxo, de toda a velhacaria praticada contra ele.
Teremos nosso pensamento, nossas lembranças, nosso
conhecimento, nossa alma, porém jamais nosso corpo.
Comida ou falta dela em excesso – com ou sem condição -,
sol, esforço físico, riscos os mais diversos, bebidas no mais alto grau de
perniciosidade, estresse físico, mental e psicológico, e o pior; drogas – as mais
variadas e criativas; oficiais ou não. Forçamos nosso corpo a exaustão. O
expomos aos mais exaustivos testes sem nunca olharmos para ele com gratidão,
apenas com vaidade. Encontrando seus mínimos defeitos, quando, a maioria deles foi
causada por nossa displicência; ou nosso déficit de consciência crítica.
Seria de suma importância que ao primeiro apontar; ao
primeiro aflorar do indivíduo para a consciência, lhe fosse empregada com o
máximo rigor a necessidade real de ver no corpo seu maior bem, seu maior amigo
– o corpo é a essência da matéria.
Seria importante que todos aprendêssemos, como exercício, a
imaginar na hora de nossa morte o sair do corpo, e ao olhá-lo, perceber que
nunca mais o veremos. Aprendermos a imaginá-lo com a mesma força; como um bem
precioso, um amigo, um filho que dele nos despedimos para sempre e que jamais se
tratou ele de um estorvo em nossa breve existência. Deveríamos aprender a amar
e respeitar nosso corpo também por conta de sua utilidade.
*
O corpo é o único bem que realmente podemos afirmar nosso. Nada
mais, materialmente falando, possuímos, que realmente nos pertença. Porém, o
corpo é matéria, e matéria se decompõe. Ainda em vida isso acontece. A medida do
estrago, de quão ulceroso chegaremos a hora derradeira depende única e
exclusivamente da conscientização da importância e também, da total dependência
nossa – ou seria mutua - desse bem tão precioso que conhecemos como Nosso Corpo.
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