sábado, 27 de agosto de 2016

“Códicção”



A escrita ornamental material ao tentar ser lida sob o aspecto do que é visto não alcança a visão, a abrangência total da mensagem propriamente dita. Sob óticas devidamente apuradas descobrimos por que isso acontece no contexto de todo o processo que industria ou tenta alinhavar sentimentos em meio a frases frias. Ou quando esse sentimento de percepção pré, do autor, não condiz muito ou nada com o pós do leitor. E embora exista uma conexão ela é falha, incompleta, porque falha é a comunicação que se pressupõe apta ao que se quer por mero entendimento de que apenas o prestar-se a coisa é automaticamente creditada – não há crédito na ação primeira; em si; mera, e se lhe é dado; ambos são de valia dúbia –, destarte, é o peso do significado que valoriza a obra. A mensagem fracionada - pueril tendenciosa ou pretensiosa -, com as estáticas normais ao desconhecer ou a desconexão de um para cem mil leitores não diz a que veio, porém abre a porta, abre um canal para cem mil interpretações diferentes ou até, muito diferentes, - “não se entra no mesmo rio duas vezes” - diria até se tratar de um ensaio, um conto, um livro para cada leitor, caso estes atingissem entendimentos tão sofisticados quanto dispares ou de leitores originais ou tanto quanto a do autor, passando por alguns outros que insistem em conspirações, fantasias ou adeptos a transformar tudo em meta linguagem recorrendo ou não a modismos, até criarem as suas próprias decodificações ficcionais. Antes, era preciso entender a necessidade do exercício. Cabe então ao leitor acompanhar ou suplantar o autor em criatividade, - aqui sim, tudo é válido. Através da insistência, isto se dará cedo ou tarde. Outra atenção tarda a todos; é a que podemos denominar como, “leitor nato”. Este suplanta milhares de autores, e poderia facilmente escrever um best seller após outro, lançando mão aqui da inconveniente linguagem comercial. Uma vez profissionalizado, esse que temos como um decodificador, devido a incontestável percepção, goza de status de erudito catedrático altamente patenteado e obrigatoriamente respeitado por inteirar-se da escrita; em algumas situações: ao ponto de ler o pensamento do autor plasmado nos textos; mesmo não imaginando isso ser possível – nem todo autor entende-se como um instrumento, outro ponto não trabalhado aqui. Todo autor pode transformar-se em um mistério, mas sem o querer ou quando o faz por conta; não passa de um engodo. Considerado o que conhecem todos como vidente, profeta ou adivinho; esses raros personagens são disputadíssimos sempre que uma nova leitura de escrita única chega às edições ou, como gostamos de especular, são direcionados por caminhos invisíveis e inacreditavelmente certeiros, infalíveis, onde nossos leitores especiais esperam ávidos a descobrir a nova escrita e desvendar todos os mistérios que as envolveram. Podem eles, por exemplo, sair das palavras compostas, alinhadas do autor, e se infiltrarem nos mais recônditos planos, essas leituras levam, por entre um labirinto intransponível esses magos da leitura a compilar informações extensas a ponto de tornar a escrita comparativamente a pequena Terra frente à imensidão do sol, tal é a gama de informações que se permitem ser extraídas de um autor criativo, dedicado, sério e competente. Tomemos o texto a seguir para tentar compreender a disparidade entre entender livremente a leitura observando o padrão conhecido de conexão e então fazer um exercício imaginando o que um Leitor Nato poderia daí retirar.

“Ele era execrável. Quando assim se é, se o quer distante; não ele. Aquele dia seria diferente. Olhou em volta da orla e tanto os álamos e olmos que circundavam o caminho da elevação que dava acesso ao vulcão estavam inertes; aquelas víboras não haveriam de se arriscar novamente a mais um ataque suicida. Voltou os olhos para os fiordes e o Valrua seguia firme a tão planejada odisseia, então lembrou da noite anterior o discurso do capitão Philip antes do brinde principal; tão conhecido a todos nestas clássicas despedidas do mais destemido dos exploradores. Poucos ali não criam nele, bem diferente do ‘execrável’, este, sorrateiro, ora analisado em todas as suas ações por todos, - inclusive os não vivos – contumaz ladravaz na opinião de muitos, a ausência de provas também aí sempre o acompanhou; apenas um que outro o tinham como não. Como eram estúpidos estes, tão inteligentes e queridos porém enganados por esse que flertava com o perigo. Seu pai um oleiro respeitável nunca burlou uma entrada de circo sequer até ser engolfado pelo vulcão, o único até hoje a moldar a lava. O que aprendeu com o velho esse infeliz! E a mãe, carregava o nome do túmulo dos deuses – ah!, a denominação, essa mais que importante presença esquecida, ali tornada carga - Walhala. Atingida durante uma das viagens do Valrua que ao atravessar os fiordes durante uma borrasca abalroou a estibordo uma pequena rocha. A vela desprendeu-se do mastro que, ao se desfraldar, atingiu de um só golpe suas costas jogando-a contra uma viga do convés; ainda olhou para ele em meio a tudo. Ele correu para ela – não parecia o insensível de sempre -, porém foi a única e mais sutil das emoções, não percebida por mais ninguém; sua dor restringiu-se, não passou dos olhos para fora; maldito calculista. Que mãe perdera, e ele ali, impassível. Obrigados aos sargaços, a viagem foi interrompida até o conserto do navio, ele retornou com ela, ao menos isso. Seu pai, havia anos, esperava por sua passagem. Philip então levantou, desceu o copo e iniciou o discurso, - não poderia segurá-lo por tanto tempo no ar – parte traduzido aqui: ‘A Comissão entendeu por bem que ainda que os ataques das víboras do Povo do Vulcão venham a se repetir, devo deflagrar meu arribar para dentro do mar ainda mais desconhecido. Por certo que nada temo, por isso sou o único em condição a fazê-lo. O alinhamento observado por nossos xamãs decifraram o a nós indecifrável e suas previsões há tempos me acompanham, ao ponto de que nada interfere entre eu e eles. As noites que virão sem minha presença o mar a receberá. Ele tem sido meu parceiro nas últimas cinco décadas. Barcos vãos, vão e retornam destroçados ou não, vazios; ou mesmo não retornam. O que não se dá comigo. Hoje, como todas as minhas despedidas, é especial; brindo à saúde, a luta, ao trabalho, as buscas e ao descanso eterno no Valhalla.’

Quase ausente; mais presente que todos os demais, - a desatenção a repetição do capitão era notória não apenas a um ouvinte – a conhecida figura do nosso ambíguo personagem assistia a tudo embora parecesse não fazê-lo, tal como ninguém com ele se importasse, menos um, excetuando eu; esse comportar-se lançava sobre esse espectro ares de dúvidas que não o importunavam, parecia mais agrada-lo. O que pensaria ele? Todos poderiam se perguntar; contrariamente, sua impenetrabilidade chamava minha atenção; quais ações misteriosas absorviam seus dois cérebros? Mas sabia, porém, que alguém outro o observava com atenção, mas por que? Jamais tive acesso aos dois; o que nos apartava do bando maior? Mesmo o capitão Philip que todos admiravam – não apenas devido suas investida ao portentoso oceano – e acessava a nós três, e a décadas explorando aquelas águas que poucos se arriscavam parecia guardar mistério algum, e no entanto, apreciava a nós igualmente, como se fizéssemos parte do que considerava seus amigos; o que abrangia toda a população da ilha.”


Da série; “Hein? Saio!”


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