sábado, 8 de outubro de 2016

Gustave Flaubert



Êxito - Nada é mais humilhante do que ver os tolos vencer naquilo em que fracassamos.


Felicidade - Ser estúpido, egoísta e ter boa saúde, eis as condições ideais para se ser feliz. Mas se a primeira vos falta, tudo está perdido.


Gratidão - Aos incapazes de gratidão nunca faltam pretextos para não a ter.



Crítica de Arte - Faz-se crítica quando não se pode fazer arte, como quem se torna delator quando não se pode ser soldado.



Estilo Literário - O estilo está sob as palavras como dentro delas. É igualmente a alma e a carne de uma obra.

*



O Fim da Civilização

Quando se extinguirá esta sociedade corrompida por todas as devassidões, devassidões de espírito, de corpo e de alma? Quando morrer esse vampiro mentiroso e hipócrita a que se chama civilização, haverá sem dúvida alegria sobre a terra; abandonar-se-á o manto real, o ceptro, os diamantes, o palácio em ruínas, a cidade a desmoronar-se, para se ir ao encontro da égua e da loba.

Depois de ter passado a vida nos palácios e gasto os pés nas lajes das grandes cidades, o homem irá morrer nos bosques. A terra estará ressequida pelos incêndios que a devastaram e coberta pela poeira dos combates; o sopro da desolação que passou sobre os homens terá passado sobre ela e só dará frutos amargos e rosas com espinhos, e as raças extinguir-se-ão no berço, como as plantas fustigadas pelos ventos, que morrem antes de ter florido.

Porque tudo tem de acabar e a terra, de tanto ser pisada, tem de gastar-se; porque a imensidão deve acabar por cansar-se desse grão de poeira que faz tanto alarido e perturba a majestade do nada. De tanto passar de mãos e de corromper, o outro esgotar-se-á; este vapor de sangue abrandará, o palácio desmoronar-se-á sob o peso das riquezas que oculta, a orgia cessará e nós despertaremos.

Então, quando os homens virem esse vazio, quando se tiver de deixar a vida pela morte, pela morte que come, que tem sempre fome, haverá um riso imenso de desespero. E tudo explodirá para se desmoronar do nada, e o homem virtuoso amaldiçoará a sua virtude e o vício aplaudirá.

Alguns homens ainda errantes numa terra árida chamar-se-ão; encontrar-se-ão e recuarão horrorizados, aterrorizados consigo próprios, e morrerão. O que será então o homem, ele que já é mais feroz do que os animais ferozes, e mais vil do que os répteis? Adeus para sempre, carros deslumbrantes, fanfarras e famas; adeus, mundo, palácios, mausoléus, volúpias do crime e delícias da corrupção! A pedra cairá de repente, esmagada por si mesma, e a erva crescerá sobre ela. E os palácios, os templos, as pirâmides, as colunas, mausoléu do rei, caixão do pobre, carcaça do cão, tudo isso ficará à mesma altura, sob a relva da terra.


Então, o mar sem diques baterá tranquilamente nas praias e irá banhar as suas ondas na cinza ainda fumegante das cidades; as árvores crescerão, reverdescerão, e não haverá mão que as quebre e as destrua; os rios correrão nos prados floridos, a natureza será livre, sem homem que a oprima, e esta raça será extinta, porque era maldita desde a infância.

Gustave Flaubert; Memória de um Louco
001.M cqe