domingo, 20 de dezembro de 2009

Trair uma amizade . . . eis o verdadeiro pecado



Devagarinho, após o afago na cabeça do felino, - uma de suas gatas - pousou a mão sobre a cama, sentindo que suas narinas estavam novamente se manifestando. Eram seis horas da manhã preguiçosa de um sábado.


Algo comum a ela, sempre fora assim, uma dor leve nas extremidades do nariz, - que parecia não ter nada a ver com sentimento - uma espécie de dor, e, em seguida, - o que na verdade é simultâneo - o globo ocular se manifesta em umidade, - nada discreto quando o sentimento é forte - inundando toda a janela da alma. - que no caso aqui continuava cerrada como era de costume, ao ficar com os olhos fechados por alguns minutos a mais. E, quando abundante, escorre vencida pela força da gravidade até verter em lágrimas, surgindo então na face.


Pensou mais uma vez em como amava tudo ali. O companheiro dormindo ao lado, suas gatas e uma fêmea da família dos Poodles. . . ultimamente ainda era mais freqüente este chorar feliz.


Porém, também como de costume, sua primeira reação após esse agradecer, remetia-a a lembranças daqueles que sofriam, todos, indistintamente, até os últimos: ex amigos que, por não entendê-la, e por outros sentimentos diversos e adversos a este, que agora a fez, por um breve momento misturar às lágrimas do estar bem; do estar feliz: antigas; de sinais que insistem em não ir embora (como diz o poeta ”Só restou o umbigo”); um recordar incômodo, de restos indesejados, de criaturas tristes, que preferiram abandoná-la. Mesmo que jamais conseguirão esquecê-la. Como também nunca saberão o qual foi a perda, - somente a sentem, insistindo em não admitir - ao barganhar suas palavras, que nunca estiveram a venda, por opiniões outras, de verdadeiros profissionais do assunto.


Em meio a todo o estado que geralmente se forma, ao pensar nestas reminiscências que sinceramente não compactuava com a cabeça quando surgiam, embora nada pudesse fazer. Não conhecia antídoto algum que fosse possível dissuadir sua mente para expulsar de imediato este que considerava um funesto pensar. A solução única? Era assumir que estes momentos, por muito ainda existiriam, afinal, compreendia também o quanto fora tocada por esta desilusão antiga; então, vencida e convencida, permitia que tais lembranças fluíssem, não raro, em meio a soluços.


Hoje não mais. Pelo menos isto aprendeu das amizades – uma lição bem assimilada, quem sabe: nada mais de entregar-se.


Acautelada entende, que os sentimentos confusos e que se confundem entre mentes; e consultas a arquivos não confiáveis, sempre deturparão, embaralharão uma mente fraca.


Não deposite toda a sua fé num único santo, santos também sentem inveja, e ao sentirem que foram enganados, mesmo quando eles próprios estão enganados; podem ser bastante vingativos.


Com algumas lágrimas ainda se formando, não pensou no fato de que estas já não mais eram carregadas pelo mesmo sentimento, e, entregou-se ao pensar. Não lembrou também, - embora de nada adiantasse - que mais uma vez. . . mais tarde. . . se arrependeria disso. Sempre era assim. O arrependimento não sério de estar perdendo tempo com defunto morto, como costumava apontar sua mãe, outra dessas que apenas falam. Têm remédio para tudo, mas como todos estão vencidos, nunca fazem efeito realmente.


Sua lembrança maior voltava-se sempre para o mesmo ponto: todos agiram da mesma maneira, como se tomados por uma peste que os deixou cegos, ou uma onda de sentimentos malignos. Apagando totalmente um passado que parecia ter sido só de comunhão e interesses mútuos, mesmo que esta palavra remeta a sentimentos agora funestos, e, que na época, não imaginaria possível, então, de todo este recordar triste, um apenas era unanime nas aparições, - este praticamente a derrubava - imaginava que espécie de vergonha desconhecida, um dia, encaixaria, substituiria as máscaras da raiva, do ódio, da soberba, do julgar, hoje usadas por estes tão amados amigos antigos!


Tanto esperou nela!


Tanto esperou neles!


Possuía a convicção mais enérgica, mais dura, mais apurada do mundo: de que estava fazendo o melhor. E fez. Este melhor não pode, jamais, ser confundido com o melhor do que possuía de ruim, pensava acertadamente.


Sabia quão normal é: as pessoas gargantearem que fizeram seu melhor. . . mesmo enganadas. Não imaginando o quanto eram desprovidas de uma consciência crítica justa, onde não estavam sendo nem um pouco, ou muito pouco voluntariosas.


Não ela. Fora respaldada por mentes muitíssimo superior a ela, por outro lado não busca a compreensão de nenhum deles, normal naqueles que carregam a dúvida das ações praticadas; além do mais, as atitudes cometidas por todos, indistintamente, a fizeram plena nas convicções que carregava agora: continuava amando todos, - e bem por isso que o globo que ainda se mantinha cerrado, continuava também úmido - e torcia para que todos recobrassem a consciência de quando tudo era só pureza.


Mesmo com este sentimento final; forte, ou fortalecido a cada dia mais, não conseguia descartar outro que insistia em dar as caras neste momento: o de frustração. Era uma frustração geral, generalizada, mesmo com toda a sua certeza, - a despeito de todo o estado de felicidade atual - isto não a abandonava (sempre).


Como um exemplo a ser seguido; tão certos como ventos, desajeitados e violentos, e cheios de algum tipo de ódio, que reviram todos os alicerces, chacoalhando alguns e removendo outros.


Mas por quê. . . Se o plano, como diz o poeta, era ficarmos bem?


Como sempre, mais uma vez, com o mesmo epílogo dos últimos dez anos de seus pensamentos, retornou à cama, à sua gata, a casa e ao companheiro.


As lágrimas se foram, e voltou então ao seu estado de felicidade.


Há tempos, por sua face um pouco mais vincada, aquelas que hoje escorrem; o fazem de forma natural e quase em abundância; e são de alegria; e somente se misturam as outras, ao obrigar-se às reminiscências.


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Deveríamos classificar como amigos, somente àqueles que resistiram à morte em si. Tanto de um quanto do outro. É somente após a passagem que poderemos ter a certeza de que as palavras que nos foram dirigidas em vida foram sinceras. Somente depois de tudo poderemos saber realmente quem eram os aliados.

A palavra amizade é muito forte, e se existe um pecado neste plano, é abusar disto quando se foi eleito como tal.


“De onde mais se espera é que não sai nada mesmo”
Barão de Itararé


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