sábado, 18 de fevereiro de 2012

Ecos esparsos



Parte do texto “Além do Iluminismo” de Edgar Morin

(...)

Tudo isso nos conduz à ideia de que é necessário ultrapassar o Iluminismo. É preciso buscar algo além do Iluminismo. Quando digo “ultrapassar’, entendo essa palavra no sentido hegeliano de aufheben, que significa integrar o que foi ultrapassado, integrar o que há de válido no Iluminismo, mas acrescido de muitas outras coisas. O que significa esse ir mais além no Iluminismo? A princípio, significa que é preciso reexaminar a razão, ultrapassar a racionalidade abstrata, o primado do cálculo e o primado da lógica abstrata. É necessário desembaraçar-se da razão provincializada. É preciso tomar consciência das patologias da razão. É preciso ultrapassar a razão instrumental de que fala Adorno, que se encontra a serviço dos piores empreendimentos criminosos. É necessário ultrapassar mesmo a ideia de razão pura, pois a razão pura não existe, não há racionalidade sem afetividade. É preciso uma dialógica entre racionalidade e afetividade, uma razão mestiçada pela afetividade, uma racionalidade aberta. É preciso dar força a essa corrente minoritária nesse mundo ocidental ou europeu, o da racionalidade autocrítica que, de Montaigne a Lévi-Strauss, reconhece seus próprios limites e comporta a autocrítica do Ocidente. Dito de outra forma, precisamos de uma racionalidade complexa que enfrente as contradições e a incerteza sem afixá-las ou desintegrá-las. Isso implica uma revolução epistemológica, uma revolução no conhecimento, Precisamos tentar repudiar a inteligência cega que nada vê além de fragmentos separados e que é incapaz de ligar as partes e o todo, o elemento e seu contexto; que é incapaz de conceber a era planetária e de aprender o problema ecológico. Pode-se afirmar que a tragédia ecológica que começou é a primeira catástrofe planetária provocada pela carência fundamental de nosso modo de conhecimentos e pela ignorância que esse modo de conhecimento comporta. Trata-se, então, do colapso da concepção luminosa da racionalidade (ou seja, aquela que traz uma luz brilhante e dissipa as sombras com ideias claras e distintas, com a lógica do determinismo) que em si mesma ignora a desordem e o acaso. Precisamos conceber uma realidade complexa, formada por um coquetel sempre variável de ordem, de desordem e de organização. É necessário saber que há um princípio de organização, mas também de desorganização no Universo, com o segundo princípio da termodinâmica. É preciso compreender que o universo é complexo e que, para nossa mente, incluirá sempre incerteza e contradição. É preciso compreender que “a própria fonte da qual se origina nossa luz é obscura”, como dizia João da Cruz. É preciso compreender que o imprevisível e o improvável acontecem com muita frequência. É necessário substituir o progresso determinista, o progresso necessário em tudo, ou seja, na concepção da vida, na concepção da história, na concepção do universo.

(...)

“Rumo ao Abismo?” de Edgar Morin, texto: Além do Iluminismo, pg 42/44, editora Bertrand Brasil/RJ

093.d cqe