segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Cessação






Mandei-lhe o que provavelmente seria nossa última comunicação: “Prefiro o poço ao rio”.
Este havia se mostrado bastante diferente da meia dúzia que até então se apresentara com a intenção determinada e sincera de trilhar um caminho diferente ou continuar um caminho que escolhido por força do divino, acredito, diferenciava-o dos demais.
Aquele dotado de conhecimentos que destoam do comum que venha a acrescer, incrementar, a trilha daquele que quer aprender coisas novas, e diferentes; nunca tem a certeza do melhor caminho a escolher para abordar as mais variadas questões que aparecem a não ser valendo-se da retidão que só é proporcionada pela Sinceridade e pela Verdade.
Estamos falando da alma humana e esta não se repete; daí a dificuldade; mesmo para o mais erudito deles.
Só os verdadeiramente sábios não se preocupam com isso, afinal o sabem que quando obram, obram. Então escolhem o caminho e continuam nele ou não. Independente dos primeiros rumos tomados, ou até por não terem iniciado valendo-se de rumo algum. O sábio sabe; que método não existe, e que todo caminho é o caminho, afinal de contas o ponto final é Uno.
O sábio detém também o saber sobre as escolhas, mesmo que iniciais, do discípulo. A partir já do nascer do interesse do segundo o primeiro, como um ser que lança mão do recurso da visão futura, interpreta de antemão a necessidade e o interesse do aprendiz. E mesmo que um aprendizado culmine com uma possível cessação, se observada do externo sempre confuso; não significa nunca que o mestre foi pego em armadilha.
E, em alguns casos, pode, até para despertar a atenção do que pensa estar pronto; emitir um último sinal na intenção de que seu quase ex-discípulo tome com firmeza a sua próxima decisão. Isto nunca, como no caso aqui, significa que o mestre está tentando prendê-lo.
“Prefiro o poço ao rio”.

Existiam dois caminhos principais para que esta troça capciosa fosse desvendada, e é acertado afirmar que as duas continham a verdade, dependendo do caso em questão, mas não aqui. Estávamos dentro de uma questão única e séria até onde fosse possível assim chamar, se sairmos do campo místico, não que o místico não seja sério, o fato é que no mítico a seriedade é apenas um ponto de vista que precisa ou não ser acessado, ou melhor, que deve ou não ser acessado, tudo neste campo depende dos, e do grau dos envolvidos. Aqui; não era sério no que se refere ao sábio, mas primordial para o aluno, e foi só pensando nele que o Mestre enviou o recado.
“Prefiro o poço ao rio”.

Um dos caminhos, dos únicos que agora me interessam, poderia ser entendido e fazer referência ao destinatário que interpretando ser ele o poço não deveria voltar atrás, e a segunda opção seria mudar os papéis e então o poço teria enviado o ardil e ao entender, ao fazer tal interpretação, teria que, demonstrando humildade e reverência, retornar ao mestre para que mais lições fossem incorporadas antes da partida.

Quando preparado, discípulo algum se intimida com as armadilhas, muitas vezes até zombeteira do Mestre. Fazer às vezes de palhaço para seu instrutor é ato valioso, quando comedido, e faz circular energias que nem sempre é possível serem acessadas neste meio que no mais das vezes é bastante soturno.
Do seu lado; o Mestre, sempre preparado; não pode se deixar levar pela armadilha mais comum e que nunca está presente no ser distinto, que é; a entrega vã. Sabedor de que tudo é energia, e elementar, não vê nunca o término de uma fase como algo, nem mesmo, que deve ser sentido ou levado a um ponto mais alto do que a normalidade do existir. Entendendo a continuidade, percebe, e aprendeu há muito aceitar a transitoriedade bem como a atemporalidade dos encontros, por mais amorosos que possam ter sido. Estes, por sua vez, são os menos sentidos por estarem registrados com lindas passagens amorosas, e por terem perpetuado energias que circularão emanando o bem para todo o sempre. E, que, contribuirão também para toda a eternidade com a criação Divina. Se existe algum apego para o sábio é o apego a atemporalidade, ao mundo da imaterialidade. É neste invólucro sem fim que encontrará sempre que quiser suas bem aventuranças - que aqui construirei dentro do verbo temporal - passadas e futuras.



O Verdadeiramente Belo entre o discípulo e o Mestre é a certeza de que jamais cessará esta ligação. Na junção destes dois monstros nascerá uma fonte. E a fonte é rio, e é poço. E então temos assim novamente a tríade, base mais poderosa de todo e qualquer empreendimento.

O entendimento desse fenômeno, este insight, é a iniciação, é a iluminação, e é o sinal mais claro de que nosso bravo discípulo encontrou no Mestre a paz que tanto buscou, mas reconhece nele apenas um porto seguro, jamais encontrado em suas buscas. Assim como o sábio demonstra uma aparente estagnação, o aprendiz entende que este encontro é apenas um ponto, um ponto centralizador, um ponto de equilíbrio e que de agora em diante seu caminhar será finalmente melhor direcionado e que as costumeiras dispersões não mais acontecerão inconscientemente.

Não obtive resposta a não ser o silêncio, que também o é, e que também é tão respeitado entre todos aqueles que compartilham das coisas do insondável. Poderia deduzir algumas de suas interpretações, mas sei também que; o discípulo, assim como o Mestre, guarda segredos que até mesmo o próprio desconhece, e se isso já não fosse o suficiente; se sabe não sei, sei que agora somos poço, rio e fonte; e não há nada que possa mudar esta unicidade.
011 cqe