sábado, 22 de fevereiro de 2020

Espólio de Adão




Metamorfosear-nos-emos em mil arquétipos acessados
Cada qual com suas vontades distintas
Onde os sentimentos alheiam
Consentimentos dispersos tomam o que não era para si

Efêmera é nossa vontade agora
Não ser nossa não nos livra
Se a fenda a eles venda
O instrumento elas cegam

A natureza exige o varão
A vara maior leva um séquito
Tornado cetro se faz homem
O monte mais vistoso recebe o mastro

A prole vem abundante
Continuar dívidas impagáveis
Rezando a cartilha erudita
Tomando para si continuidades maçadas

Não há pecado onde não há lei
Todos se dão à bel prazer
Orgias desorganizadas mantêm a ordem
A força cobre com naturalidade

Dentro da lei o pecado impera
Poe medo receio e vergonha
Imersos no mais intenso prazer
O após cobra a carga do irmão

O gozoso e seus mistérios
O gozo após o gozo
Gozo após gozo
Não goze agora

Adão! Ah! Adão
Defloramos a Eva dia após dia
Entre carnificinas e feminicídios
E quando não... seu pecado está lá... Adão

Ameniza a falta de tudo
E as interpretações criativas a rodo
Durante a vida o participar do jogo
Procurando alternativas a escapar do fogo

Um que pensa tenta outra palavra
O que prega insiste com a hipocrisia
A mãe iludida protege e se afasta
Insaciável... o pai.. procura filhas alheias

Incesto cercos e ataques ousados
O pecado é o maior gatilho para o avanço
Sob poder ou força o fraco cede
Sob ameaça ou desespero... também

O grito rasga o silêncio forjado
Pior que ouvir é saber
Um láparo atingido em sua pureza
Pecado medo e negação ainda assaltando

Que propósito tem agora o mundo
Que propósito a vida tem
Como planejar sem rumo próprio
Como encarar esquecendo o que houve

A natureza é perversa ou sábia
A natureza apenas é
Nada aqui é o que é... relaxa
Recomponha-se... tudo aqui é o que é

O segredo é que não há mistério
Diz o poeta “só há o ir”
Instruir-se ajuda o suficiente
Não incomodar-se faz o resto

Mas e o então
Não há senão
Tudo é
Nada

Está é a tragédia do homem
Tragédia é não decifrar o Amor
Ainda que ele não possa ser decifrado
Porque não precisa
A chave é o simples
A beleza de ser homem
É ter sido homem





Homenagem à obra
“A tragédia do homem”
e à Paulo Rónai
*



O legado

Ainda que observemos metamorfoses, aqui, ali, lá; infindáveis e em qualquer canto, sob os auspícios do pecado: todo o prazer do encanto a dois acaba por morrer no nada na observação de que ele pode ter se dado. Isso não é tua culpa infeliz, não é culpa de ninguém, pois é certo que em seu ato original, Adão, vencido, também se arrependeu amargamente por não ter sido forte. Esta é a carga do ser humano ordinário, enquanto continuar representando seu ancestral primeiro, dia após dia, era após era.

No coito, cada um a seu modo sente alguns desconfortos como herdade de seu ancestral primitivo.

Da série; Do que se quer, do que vale e do que é




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