sábado, 9 de outubro de 2021

“Mea culpa, mea culpa, mea maxima culpa”



 





Nos episódios finais de Lúcifer o tema “culpa” é fartamente abordado. Da minha parte pouco ortodoxa frente a eternidade infernal, tenho que a que aprendi defender é pior, por ser mais crível, portanto ela dura apenas até que assumamos totalmente nossas culpas.






Algo, igualmente bem trabalhado na série, é que não adianta entender esse lance de culpa, muito menos afirmar categoricamente que não recorda de mais nenhum caso onde se sinta culpado. É preciso vagar por sua ausência aos mundos até que todo o processo de culpa seja levantado e assumido - isso não lembra algumas situações assistidas ainda em vida?









Em uma mescla de pilhéria e observações ajuizadas ao longo de todos os episódios, a firmeza de princípios foi muito bem explorada no encerramento dos episódios a partir da luta particular do personagem principal: a necessidade de reconhecer sua filha e na dificuldade de confirmar que ela estava certa e errada ao mesmo tempo, isto é: ela estava certa em sua afirmação onde ele a abandonou por vinte anos, mas estava errada ao culpa-lo. Chama atenção a veemência com que inicialmente a repele, inclusive negando-a sem saber exatamente o que está acontecendo, afinal ela volta no tempo com ódio mortal de seu pai e pior, ela tem aramas para mata-lo e ainda assim não é evasivo, simplesmente a confronta afirmando que se tivesse tido uma filha jamais a abandonaria.







Este exercício não é sobre a série Lúcifer, claro, porém, a despeito de uma série de pessoas que não tenho a mínima vontade de contar que a assisti; é um seriado com muito teor a ser trabalhado por cada um de nós que estamos, ou que buscamos uma forma mais humana de passar nossos dias na Terra – me valendo de um dos motes da própria série.






O Diabo sendo tocado por alguns humanos a ponto de ter a oportunidade de ser Deus e optar a voltar ao Inferno, entendendo que sua expertise de demônio somado às lições com os humanos pode solucionar o problema daqueles que não conseguem resolver suas culpas no quinto dos infernos e finalmente, com sua ajuda, ter sua saída antecipada.





Tergiversando para outra atração controversa, porém na mesma linha de firmeza de caráter, esta semana assisti ao filme The Dry 2020. Nem de longe é, o filme. Porém a forma como foi construído o protagonista vale a pena entreter-se por alguns minutos. Seu papel pode muito bem representar o sonho de consumo de qualquer misantropo que se prese; reside em um país interessante que desperta pouca atenção, bonito, bem empregado, cativante, sério, focado e o principal: convicto nos seus princípios sem ser arrogante ou ficar de resmungos a tentar convencer quem quer que seja estar equivocado a seu respeito.





Aaron (Eric Bana), mantém uma postura impecável; não saberemos nada totalmente até os últimos minutos da película que não será apreciada no caso de ansiosos não adeptos a filmes de suspense.





Ao longo de alguns dias que se estendem os acontecimentos ele, de volta a sua cidade natal, de onde saiu fugido na adolescência suspeito da morte de uma de suas amigas e acobertado por seu melhor amigo, é convencido a retornar para o funeral deste, que morreu sob circunstâncias bastante suspeitas, e então, obviamente, sofre todo tipo de escárnio, ameaças, ataques; o típico persona mui não grata.








Sob toda essa pressão, ele se mantém impassível e focado, para muitos, sobre humano é a única expressão – a julgar a gratuita promoção da violência em boa parte dos blockbusters de hoje - que o adjetiva em relação ao seu não revide aos ataques que se mostrarão infundados e ainda, que ele é um cara totalmente do bem, e como sempre, muito superior a todos que o condenavam.






Ele não era culpado, no entanto as circunstâncias o deixavam de mãos atadas. Uma situação bem construída, afinal é isso que ao final todos nós descobriremos ao confrontar o novo Lúcifer analista tentando nos explicar porque a vida parece injusta, mas na verdade ela está testando nossas forças pois sabe que tudo o que ocorre aqui é por culpa de nós mesmo – ações não pensadas ou obrigatórias no entanto alheias as nossas vontades -, uma culpa que leva a outra culpa que encontra um ou mais irmãos de culpas nas mesmas condições em um joguete de ilusões vaidosas que somente serão confrontadas diante do espelho da eternidade.






Existe sempre a chance de sermos agraciado com um final mostrado por Ariano Suassuna em seu Auto da Compadecida, para nos aliviar e quem sabe nos manter ativos em meio a esse reboliço de culpados e torcer para que as culpas que não admitimos – não reconhecemos - não sejam infindáveis.







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