“É uma coisa criar as artes; outra,
bem distinta, é discernir o bem e o mal que elas podem trazer.”
Thamus; Rei Egípcio
(...)
Sigamos,
pois, adiante.
Enquanto
se preparava para atravessar o rio e partir, Sócrates hesita, pois Fedro lhe
pede que fique, ao menos até que o calor diminua, lembrando-lhe que é meio-dia,
o que os antigos chamavam de “limite fixo” ou “meridiano firme”: a hora que a
terra não projeta sombra e a luz reina por toda parte. É nesse exato instante
que Sócrates recebe um sinal de seu daimonion,
convidando-o a permanecer.
Ali,
onde a verdade dispensa intermediários, o discurso de Sócrates começa a fluir
como nascente sagrada, elevando-se da terra ao céu. Eventualmente, ele passa a
falar da palavra viva, e evoca o mito de Theuth (Thoth), o antigo deus egípcio
a quem se atribui a invenção da escrita. Thoth julgava estar oferecendo à
humanidade um grande dom: por meio da escrita, os egípcios se tornariam mais
sábios e não esqueceriam mais. Teriam, enfim, um remédio contra o esquecimento.
Como disse o próprio Thoth: “Para a sabedoria encontrou-se a cura.”
Assim
pensava. Assim esperava.
Mas o rei Thamus respondeu a Theuth que sua invenção não trariam os frutos esperados: “Sábio Theuth, é uma coisa criar as artes; outra, bem distinta, é discernir o bem e o mal que elas podem trazer. Com amor e inocência, ofereceste à humanidade o dom das letras, mas não lhe deste a memória. Ofereceste o esquecimento, pois, ao se apoiarem na escrita, os seres humanos esquecerão como olhar para dentro de si mesmos, como haurir das próprias profundezas a luz viva da recordação. Não encontraste o remédio que cura, mas um sucedâneo que entorpece. Não ofereceste a Sabedoria, mas sua sombra, uma aparência ilusória. E as multidões, excitando muito e aprendendo pouco, crerão que sabem, quando, na verdade, permanecerão vazias, ignorantes, portando a reputação de conhecimento em lugar da Sabedoria Verdadeira.”
Em,
“A menor sombra e a maior luz”; Revista Sophia Nº. 117 - p.32 por Erica
Georgiades
*
Antes
eu deveria amar o breu. Ao ter nascido na luz, tudo vejo, tudo é demasiadamente
claro, porém, ao enxergar sem compreender, até que alguém me esclareça, o que
tenho é tão somente a ilusão da certeza. Antes, deveria escutar o medo, me
deitar sobre a dúvida que é fruto do ébano, e daí trabalhar a coragem e o
entendimento. O ser que busca a Verdadeira Luz, reconhece, que o exagero e a
abundância cegam, então representam o buscador portando um archote, porque não
é na grande luz que encontramos o que não imaginamos existir, e sim, no pequeno
lume que aos poucos se desvela ao que busca: a clareza que liberta.
A
palavra escrita não é vida, e sim, deve servir mais como instrumento que aviva
todo aquele que busca a dela servir-se, como uma senda ao Verdadeiro Verbo que
pode nos levar a suplantar o véu do obscurantismo.
(Fragmento
inspirado na matéria “A menor sombra e a maior luz” de Erica Georgiades.
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