sábado, 5 de setembro de 2020

A redundância da dor

 




Tenho acompanhado, principalmente, a dor das mães que clamam justiça ao assistirem seus filhos inocentes caídos. Aqui em casa, temos concluído pensamentos duros sobre a falta de justiça, pois na dor - geralmente do pequeno, aquele que nada possui -, no desespero da impotência; a “impotência diante do definitivo”, a agonia do ser humano que não ganha nunca, e após tantas constatações, após todos os disparates a que assistimos, só há um conselho a ser dado: desista da segunda dor; fiquem apenas com a primeira, a dor da perda, a dor de sentir que lhes foi tirado tudo; a dor da truculência das ruas que sugou ainda mais, do pouco que lhes restava. Fiquem apenas na dor da perda do filho, do estupro da filha, da terra tomada, da posse negada, do achaque, da extorsão, da covardia, do prevalecimento, do abuso, do filhinho de papai bêbado que invade nossa existência depauperada nos enterrando ainda mais no nada-ser; de todas as agressões corriqueiras que se avolumam e que assistimos estarrecidos. Sim, fiquem apenas com essa dor, porque ao buscarem justiça, ao se apoiarem na esperança da justiça das promessas bianuais, a depositarem todas as fichas entendendo que a constituição promulgada para eles um dia reparará a sua perda, esqueça; esta desilusão será a segunda dor. Chore muito a primeira dor e esqueça, ou chore com esperança de justiça e continue chorando depois de entender que aqui, ela não existe.

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Entre todos os absurdos das invasões covardes e sempre assassinas, abjetas; uma marcará para sempre minha existência. O massacre que os chineses impuseram contra o Tibete nos anos 50. Ouvi varias histórias sob a abnegação e passividade com que o povo budista daquela região esquecida exercitou ao tornar uma meditação dolorosa: toda a violência que os exércitos chineses infringiram contra o povo tibetano. Questionado certa vez sobre esta abnegação, sobre a prova enorme ao muitas vezes assistir ou fazer parte da obrigação que os soldados invasores impunham ao colocar a arma na mão de um zen budista para que ele apertasse o gatilho para assassinar um membro da própria família como punição por, em algumas situações, até por conta de um pequeno gesto natural de reverência; se ele não sentia algum tipo de ódio do algoz? Respondeu que suplicava aos deuses que lhes dessem força para não desejar, para resistir a um pensamento mínimo sequer de não perdão ao opressor.



Impossível para nós ocidentais, porém, para alguns membros praticantes de meditações é fácil entender a ignorância que assola a humanidade e daí calar-se diante dos piores atos contra si ou aos seus, e a cada dia mais parece que nos obrigaremos a alguma mecânica para suportar a truculência cotidiana, quando, quem sabe, a única saída será ao menos compreender a prática do zen budismo tornando-a também a nós uma perspectiva válida para amenizar nossos sofrimentos e seguir em frente após os piores absurdos a que estamos assistindo e, consequentemente, a cada dia mais expostos.


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Hoje alardeamos nossas dores entre os nossos e um pouco além se possível – um alarde perfeitamente normal, sensível a toda perda – mas, desconcentrados, desperdiçando energias que não possuímos, acreditando em justiças que jamais virão. Porém o mundo não tem mais tempo para justiças. Não reservamos espaço para que a verdadeira justiça se pronuncie quando o praticante possui reservas ou joga no mesmo grupo social daqueles que formaram e mantêm este circo social.


Crianças e pessoas de toda ordem morrendo sob uma chuva de balas perdidas, corrupção, desmatamento, garimpo ilegal, eventos racistas ignominiosos, ditadores em pleno século XXI, grupos de extermínio, paramilitares, pessoas e pensamentos obrigados ao silêncio, concorrentes políticos sendo envenenados, pleitos fraudados, golpistas, terroristas, sequestros, conchavos fraudulentos, refugiados de toda ordem, imprensa demagoga, religião omissa, facções, igrejas espúrias, padres e vigários em geral escondendo seus dolos entre as páginas da Bíblia e assim por diante.




Muitos se escoram nas desculpas - o idílio da negação -; contrapondo que não existem mais carnificinas entre os povos, como na era romana e viking, ou as invasões assassinas de portugueses, ingleses, espanhóis, holandeses, franceses etc... quando isso jamais deve ser salvo conduto para as injustiças que viemos permitindo, como, por exemplo, lembrar que não há mais caça as bruxas, ou a idade das trevas, dizimação de populações por pestes etc., que nossas condições estão melhores do que jamais estiveram, uma vez que esse discurso acoberta a passividade do sistema orquestrado, governos e dirigentes tiranos, racismos de toda ordem, guerras internas, separação por gêneros, truculência policial, terrorismo, desmandos e conchavos, nepotismo e daí o flagelo dos refugiados e da pauperização da fração maior da população por conta da disparidade absurda nascida da concentração de renda.




Isso será diferente. Não. Aprendamos com o zen budismo tibetano - ao menos isso, se não podemos entender a filosofia: sofrer uma única vez. #Nãoaredundânciadador. Viemos aceitando em meio a revoluções, - que a olhos vistos infringiram mais dor que resultados à justiça -, permitindo que o torniquete continue sendo acochado; não é mais possível uma mudança; fiquemos então apenas com a dor da perda; #simapassividadetotal.





Contribuição da Minha Sempre Bem Amada 

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