sábado, 8 de janeiro de 2022

Fuga; o novo instinto

 






A fuga de nós mesmos tornada instinto







 






Não é que não temos medo; o negamos. Nossa situação, se tivéssemos a ousadia de ao menos sondá-la, é desesperadora, e a prova disso é que mesmo que não tenhamos coragem de encará-la, desajustadamente, entendemos que não devemos fazê-lo. A fuga de nós mesmos foi tornada instinto e isto se deu ao preterirmos o Sagrado ao estado; às seitas inteligentemente ficciosas e, portanto, faccionais, muitas, nascidas a partir do absurdo desentendimento sobre o paganismo – não vamos nos estender aqui sobre tais rearranjos sórdidos.







Neste exercício, inicialmente pensado apenas sobre alguns pontos levantados durante as sessões de “Luther” (Luther,2010), ganhou corpo após o filme “Não olhe para cima” (Não olhe para cima, 2021). Obras totalmente díspares, sim; no entanto estas observações ganham pinceladas carregadas de cinza no primeiro quarto da obra do diretor Adam McKay, ao apresentar um retrato fiel de quão alienados e dependentes do que não possui – ao que inadvertidamente depositamos - poder algum sob as necessidades mais prementes da sociedade: tornada agora a única tábua de salvação que se tem à mão.









Luther é uma série interessante se fugirmos do lugar comum, isto é, se abandonados os clichês, as alegorias e o fantástico do enredo utilizado para amarrar as pontas. Ao avançar da série é possível, a partir de uma conferida mais apurada, perceber que ao final do último capítulo da primeira sessão, - fui até a última por conta das minhas leituras particulares, do meu laboratório para neste momento fundamentar meus argumentos - por exemplo, como sempre, pontos nevrálgicos serão repetidos a exaustão.




Primeiro ponto de importância no seriado é sobre a abstração do povo londrino. Proprietários de uma segurança incomum, invejável ao distraído, portanto: presas fáceis. Entregues, são pegos em suas inércias cotidiana no metrô, no trabalho, em casa, nos trajetos e principalmente quando envolve um ambiente de entretenimento, embora esse, se foi uma estratégia da produção ou não, a abstração é aceitável.










Um segundo ponto é que o protagonista, ainda que um cara bastante justo e aguerrido em seu princípio de cumprir com profissionalismo a comenda de inspetor; em todos os capítulos é perseguido como um disfarçado, manipulador, fingido, ardiloso, etc. Alguém que não é o que demonstra. Porém nesse caso, afora a inveja humana que corrói o altruísmo, boa parte do distrito - ou seja lá como se chama uma delegacia em Londres - o espreita com desconfiança; e tem lá suas razões, é verdade – do outro lado, nós, expectadores, sabemos que nunca é por uma causa espúria. Ao final descobrimos que seu carma se resume no mote de que não importa seu ótimo desempenho ou que na maior parte do tempo haja como um modelo; exemplo a ser seguido; todos, em algum memento, o olharão com desconfiança, e a maioria, sempre.




Um terceiro e último ponto, afinal nosso espaço é curtíssimo. De como os periféricos – coadjuvantes – caem. São abortados sem dó nem piedade. Bem colocado por Minha Esposa, “como caem os peões no Xadrez, para salvar a peça principal ou naquele instante: mais importante”. No caso do lançamento de outas temporadas, é certo que não assistirei, porém, este ponto levantado me pareceu claro no final do quarto episódio da quinta temporada quando a louca mata mais uma parceira do inspetor, ao que parece ao desatento para as referências aqui apontadas; de graça.












Imaginei nosso sistema como um todo; sou periférico de quem? No seriado pessoas boas demais, justas, corretas, trabalhadoras, importantes, foram sacrificadas para salvar direta ou indiretamente ou ainda levantar mais suspeitas sobre o agente, no entanto Luther, como não poderia ser diferente, é brilhante no que faz. Esta dinâmica levanta questão sobre a nossa importância, partindo do princípio que escolas defendem que todos somos importantes para o Sistema Universal; O Todo. Ao observar que, ótimas pessoas e profissionais dedicados ou bastante competentes são assassinados ou morrem a todo instante. Agentes, policiais, bombeiros, enfermeiras, professores, e membros de tantas outras ocupações lutando para salvar pessoas de toda ordem. Valendo da observação anterior ao apontar que a população de Londres coabita uma metrópole como se existissem apenas as prioridades de cada um; até onde seria interessante fazer valer a pena o trabalho de tantos que morrem em nome da nossa tranquilidade e então torná-la verdadeira por conta de uma consciência de que dependemos muito mais de nós – e desses - do que de pessoas que não estão nem aí se vamos morrer todos, como no filme “Não olhe para cima”? Ao purgar em um grito toda a sua indignação; “Todos vão morrer; porra”, em um visível ataque de nervos, totalmente lógico, diga-se de passagem; enquanto todos ao lado parecem julgar apenas o descontrole da cientista, nos pareceu que o diretor através da síncope, busca chacoalhar a plateia ao levantar questão de que parece que nos esquecemos de que estamos vivos e da importância dessa realidade, aliás, uma das poucas que nos resta.








Ontem comentei com meu vizinho sobre morrer com importância. Se importar em morrer. Temos medo da morte, porém não nos importamos com a morte em si, quando a morte em si é importante. É um momento tão sagrado quanto nascer. Atualmente nossa cultura luta para que nos resguardemos para não morrer, não encurtar a vida. Grupos de estudos, seguradoras, bancos, vigários, cientistas laureados, engenheiros graduados e escolas de toda ordem; na sua maioria sob o véu de tendenciosas preocupações comerciais estão envolvidos para que nossa morte não seja prematura enquanto pouquíssimos e minguados agentes reais tentam incutir um pouco de consciência na humanidade sobre a importância da vida e a necessidade da morte sob um estado mais consciente.









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