sábado, 26 de setembro de 2015

Ode a Nietzsche V




"O idealista é incorrigível: se é expulso do seu céu, faz um ideal do seu inferno."

Os crentes e sua necessidade de crença  

(...) A crença é sempre desejada com a máxima avidez, é mais urgentemente necessária onde falta vontade: pois é a vontade, como emoção do mundo, o sinal distintivo de autodomínio e força. Isto é, quanto menos alguém sabe mandar, mais avidamente deseja alguém que mande, que mande com rigor, um Deus, um príncipe, uma classe, um médico, um confessor, um dogma, uma consciência partidária. De onde talvez se pudesse concluir que as duas religiões universais, o budismo e o cristianismo, poderiam ter tido a razão de seu surgimento, sobretudo de sua súbita propagação, em um descomunal adoecimento da vontade. E assim foi na verdade: ambas as religiões encontraram um desejo que, pelo adoecimento da vontade, se acumular até a insensatez e chegava até o desespero, o desejo de um “tu deves”; ambas as religiões foram mestras de fanatismo em tempos de adormecimento da vontade e com isso ofereciam a inúmeros um amparo, uma nova possibilidade de querer, uma fruição do querer. O fanatismo é, com efeito, a única “força de vontade” a que também se podem levar os fracos e inseguros, como uma espécie de hipnotização de todo o sistema sensório-intelectual em favor da superabundante nutrição (hipertrofia) de um único ponto de vista e de sentimento, que doravante domina – o cristão chama-o sua crença. Onde o homem chega à convicção fundamental de que é preciso que mandem nele, ele se torna “crente”; inversamente, seria pensável um prazer e força da autodeterminação, uma liberdade da vontade, em que um espírito se despede de toda crença, de todo desejo de certeza, exercitado, como ele está, em poder manter-se sobre leves cordas e possibilidades, e mesmo diante de abismos dançar ainda. Um tal espírito seria o espírito livre par excellence.


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